domingo, 26 de abril de 2015

Justiça condena Santa Casa e Prefeitura por crianças trocadas na maternidade

Notícia publicada na edição 115 da Gazeta de Votorantim de 25 a 30 de abril de 2015
Eduardo Gouvea

A dona de casa Rita da Silva ficou com a guarda das duas crianças
Foto: Eduardo Gouvea / Agência Foto 10




O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo mantiveram a sentença dada pela 1ª Vara Cível de Votorantim condenando a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Votorantim e a Prefeitura de Votorantim ao pagamento de indenização à dona de casa Rita Ribeiro da Silva por danos morais e materiais após ela ter tido seu filho recém-nascido trocado na maternidade em 2004. O caso ganhou repercussão nacional após a confirmação do equívoco, a tentativa de fazer a destroca, e quando a Justiça deu a guarda das duas crianças para Rita.

Rita deu a luz ao menino Victor Hugo em 19 de julho daquele ano no Hospital Municipal Dr. Lauro Roberto Fogaça, gerenciado à época pela Irmandade Santa Casa de Votorantim. Na mesma data nasceu Giuliano, filho de Luciana Andrade de Camargo, moradora de Piedade e sua companheira de quarto.

Afrodescendente, assim como seu marido, Rita passou a sofrer com a desconfiança do companheiro, e também de pessoas próximas, uma vez que a criança que estava consigo era de pele clara e loira, e isso provocou até o rompimento do casal

Ela própria chegou a desconfiar na época que, de fato, poderia não se tratar de seu filho e então decidiu procurar o hospital e um exame de DNA confirmou a troca. “Vim para casa com um filho que era diferente dos outros. Percebi que não era o bebê que tinha visto na sala (de parto)”, conta a dona de casa. Entre o nascimento dos garotos e a confirmação da troca, passaram-se cerca de nove meses.

A Justiça determinou, na ocasião, a troca das crianças e as mães chegaram a morar juntas por duas semanas para melhor se adaptarem à situação. No entanto, Giuliano não se acostumou com a mãe biológica, que também o rejeitava, além de não apresentar condições de criá-lo. Rita, por sua vez, sofria com a separação do filho adotivo. Assim, em outubro de 2005, a Justiça deu à Rita a guarda dos dois meninos.

Alguns anos depois, Rita entrou com uma ação contra a Irmandade Santa Casa, alegando danos morais e matérias, visto todo o transtorno psicológico que teve com a troca. “Em 2009 ela me procurou para promover uma ação tendo em vista que o antigo advogado dela não havia distribuído nenhuma ação em busca dos danos morais e materiais que ela suportou”, conta o advogado José Roberto Galvão Certo, que está cuidando do caso. “Foi um erro muito grave do hospital de Votorantim em dar a possibilidade de ter ocorrido uma troca de bebês”, completa. Ele conta ainda, que a defesa alegou que a troca havia sido feita de forma proposital por uma das mães, porém o argumento não foi aceito.

A juíza de Votorantim, Luciana Carone Nucci Eugênio, condenou a Irmandade Santa Casa de Misericórdia e a Prefeitura de Votorantim - visto que o Hospital Municipal, onde ocorreu os fatos, é entidade pública mantida pela Prefeitura -, por danos materiais e morais por prestação de serviços médicos inadequados. Além da indenização, os réus também terão que pagar mensalmente à mãe o valor de um salário mínimo até os meninos completarem 18 anos. A sentença cita que “Rita assumiu a responsabilidade por ambas as crianças, sendo que sua história se tornou publicamente conhecida. Ou seja, sofreu, angustiou-se, teve sua estrutura familiar abalada, assim como sua intimidade e a vida privada invadida, suportou desconfianças e humilhações, viu-se a assumir não apenas um, mas dois filhos”.

Passados mais de dez anos do ocorrido, Rita vive em um barraco de dois cômodos no Jardim Clarice, junto com os meninos e mais três filhas. Há cerca de quatro anos ela perdeu o marido, que morreu afogado em uma pescaria no Rio Sorocaba, ocasião em que teve o último contato com a mãe biológica de Giuliano.
Após a sentença, ela agora pensa em dar melhor condição de vida para os filhos. “Quando vier o dinheiro, eu penso tem ter uma casa para eles morarem. Meu sonho é esse, dar um lar para meus filhos”, conta.

Apesar das condições de moradia, os garotos estão saudáveis e estudando. Eles passam por acompanhamento psicológico. Questionados se incomodam-se sempre que as pessoas perguntam se eles são os bebês trocados, eles dizem não sem importarem.

Hoje, a dona de casa prefere deixar para traz os momentos de tristeza e seguir em frente. “Já é passado. Superei a fase de tristeza e quero ter paz para seguir com minha vida”, diz. “A causa eu ganhei quando fiquei com as crianças”, finaliza.

Prefeitura deverá arcar com o pagamento

De acordo com o advogado da Irmandade Santa Casa de Votorantim, Lázaro Góes de Vieira, o valor da indenização teria que ser dividido entre a entidade e a Prefeitura, no entanto, ele diz que a Santa Casa não tem condições de arcar com sua parte, cabendo então ao Poder Público assumir o pagamento por completo. “Infelizmente a Santa Casa não terá como pagar, esse caso aconteceu na constância do contrato de gestão da Santa Casa do Hospital Municipal, então no nosso entendimento ocorre um fenômeno da solidariedade da Prefeitura com relação à Santa Casa, para que ela assuma essa responsabilidade de pagar. A Santa Casa não tem recurso e a Prefeitura naturalmente terá que assumir, pois é a responsável em última instância por esse pagamento”, diz.

Questionada, a Prefeitura de Votorantim disse que já tem conhecimento da decisão e que não irá recorrer. Sobre a forma como fará o pagamento, o órgão diz que “qualquer pagamento de indenização por parte da Prefeitura deve ser realizado conforme o artigo 100 da Constituição Federal”, artigo esse que trata sobre os precatórios, ou seja, ordem judicial para pagamento de débitos, acima de 60 salários mínimos, dos órgãos públicos federais, estaduais, municipais ou distritais. Esses débitos recaem sobre esses órgãos públicos em decorrência de condenação judicial e só pode ser iniciado quando a ação judicial não comporta mais qualquer tipo de recurso.

Outras duas ações, uma em nome de cada menino, ainda tramitam na Justiça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.

Ouça a Rádio Votorantim