sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

'Renova minhas energias', diz travesti de Sorocaba sobre seu 52º carnaval

Amanda Campos
Do G1 Sorocaba e Jundiaí

Vanusa diz ter sido a primeira travesti a desfilar na região, em 1967.
Com o cancelamento da festa na cidade natal, ela desfilará em Votorantim.

Vanusa mostra parte de fantasia para desfilar em Votorantim (Foto: Carlos Dias/G1)

"(...) Vila, te vejo tão linda. No teu axé, no arco-íris vou brincar. Vila, eternamente linda. Na avenida colorida, vem sonhar". O samba enredo 2016 da Unidos da Vila Votorantim ainda nem estreou e já é um dos favoritos da maquiadora Vanusa Gaviões, 74 anos. Para a apaixonada por carnaval, a composição lembra a alegria e juventude que ela exalava em 1967 quando, aos 16 anos, foi a primeira travesti a entrar na avenida de Sorocaba (SP) usando biquíni e salto alto para representar uma deusa das matas.

"Eu abalei, parei a cidade. Uns acharam ótimo. Outros acharam um absurdo. Mas o importante é que, no ano seguinte, outras travestis apareceram na avenida. Eu revolucionei", diverte-se.

A paixão pelo evento nasceu quando a sorocabana ainda era criança. Vanusa lembra que sua mãe, ex-rainha do carnaval nos anos 1930, levava ela e as irmãs em matinês no bairro Jardim Rosália para brincarem durante a festa.

"Desde a infância vivi esse momento intensamente. Minha mãe foi rainha do carnaval e transferiu esse amor para a gente. É muito divertido lembrar essa fase. Talvez por isso me preparo o ano inteiro para cair na folia", afirma.

Durante a juventude, Vanusa chegava a desfilar por até quatro escolas diferentes em cidades da região e hoje afirma ter perdido as contas de quantas vezes pisou na avenida durante seus 52 anos de folia. "Adoro desfilar. Renova minhas energias". Este ano ela sairá na Unidos da Vila Votorantim.

Quarta-feira sem cinzas
O carnaval, porém, não é a maior lembrança positiva que ela carrega da época em que era conhecida pelo nome de batismo: Ito Laroie.

Vanusa ainda era uma criança quando assumiu a homossexualidade para a família e tinha apenas 12 anos quando revelou para o pai, um antigo sargento do Exército, que não gostaria mais de se vestir com roupas masculinas. E foi surpreendida pelo apoio incondicional dele.

"Meus pais apoiaram minha condição desde o início. Claro que eles não estavam totalmente à vontade com ela, mas fui abraçada pela minha família. Comecei a fazer eu mesma os vestidos que usava a partir dos 12 [anos]. Não imagino o que seria de mim hoje se eles tivessem me virado as costas", conta.

Até quando decidiu morar com o namorado, seu companheiro por 25 anos, ela teve suporte familiar. "Nunca me viraram as costas. Vivi uma história muito bacana [com o companheiro] que acabou de um jeito amigável e respeitosa", diz ela, solteira há mais de duas décadas.

Lembranças carnavalescas
​Mas nem todas as memórias de carnaval da maquiadora remetem a festa. E a evidência do pior deles se reflete diariamente quando ela se olha no espelho. Em uma terça-feira carnavalesca dos anos 1990 após sair do desfile, um rapaz tentou roubar seu colar e, como ela resistiu, acabou esfaqueada no pescoço.

"Estava dando entrevista e senti alguém puxar meu colar. Eu segurei a corrente e me virei. Foi quando senti um líquido quente escorrer pelo pescoço. Depois, ficou tudo escuro", lembra.

Quando ela recobrou a consciência estava internada no Hospital Regional de Sorocaba. "Foi um milagre ter sobrevivido. Os médicos achavam até que eu perderia a voz."

Mais de uma década depois, outra tragédia marcou a vida da sorocabana. Um incêndio atingiu sua casa e destruiu, além da cozinha e sala, todas as fotos e vídeos de sua infância e juventude. "Foi um curto-circuito. Estava trabalhando em uma TV de Votorantim e quando cheguei em casa, estava tudo destruído. Contei com ajuda de amigos e vizinhos para reeconstruir parte da área. Hoje não tenho nenhuma foto desses momentos marcantes para mostrar", diz.

Apesar dos sustos, Vanusa diz não deixar que esse tipo de problema atrapalhe suas festas. "Carnaval ainda é alegria para mim. Como sofrer não resolve meus problemas, prefiro viver feliz, sorrindo e dançando na avenida", destaca enquanto faz carinho na cadelinha chihuahua Valentina. Durante a entrevista ao G1, como se quisesse ninar o animal, ela canta trecho do hino composto por Cleverson V.F. e que poderia facilmente descrever sua trajetória na avenida: "(...) Hoje eu trago a paz, alegria e muito mais. Rasgou no céu o arco-íris, que emoção. Sou paixão (...)".

assista: http://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2016/02/renova-minhas-energias-diz-travesti-de-sorocaba-sobre-seu-52-carnaval.html

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