terça-feira, 29 de junho de 2010

Educando os nossos olhos

Manoel Peres Sobrinho*

 

Ana se levantou aflita e, chorando muito, orou ao Deus eterno. E fez esta promessa solene: - Ó Deus Todo-poderoso, olha para mim, tua serva. Vê a minha aflição e lembre-se de mim! Não te esqueças da tua serva! (que é estéril). Se tu me deres um filho, prometo que o dedicarei a ti por toda a vida e que nunca ele cortará o cabelo. Ana continuou orando ao Deus Eterno durante tanto tempo, que Eli (o sacerdote) começou a prestar atenção nela e notou que os seus lábios se mexiam, porém, não saia nenhum som. Ana estava orando em silêncio, mas Eli pensou que ela estava bêbada e disse: - Até quando você vai ficar embriagada? Veja se pára de beber!

– Senhor! Respondeu ela – eu não estou bêbada. Não bebi nem vinho nem cerveja. Estou desesperada e estava orando, contando a minha aflição ao Eterno. Não pense que sou uma mulher sem moral. Eu estava orando daquele jeito porque sou muito infeliz e sofredora. Então Eli disse: - Vá em paz. Que o Deus de Israel lhe dê o que você pediu. Que o senhor sempre pense bem de mim – respondeu ela. E saiu. Então comeu alguma coisa e já não estava tão triste. 1 Samuel 1:10-18 BLH.

     Como devemos ver as pessoas? Olhar simplesmente não significa vê-las em toda a sua plenitude. Quando olhamos para alguém, somos vítimas e reféns de interferências internas no exercício do nosso ato de olhar. Não vemos o que pensamos olhar, mas o que sentimos pensar que vemos. Tudo o que vemos é um pouco do que queremos ver, um pouco do que somos ou, ainda, um pouco do que sentimos no momento do olhar. Por isso, todo olhar é um re-olhar.

     Eli era o sacerdote da religião oficial. Acostumado a lidar com as coisas de Deus, mas pelo que parece, sem habilidade alguma para entender o sofrimento das pessoas. Naquele momento não olhou para Ana com os olhos da misericórdia e da apreciação divinas e, sim, com os do preconceito.

     Talvez, pensou ele: O que quer uma mulher já logo cedo no templo? Em vez de vê-la adorando ao Senhor, buscando uma resposta aos seus sofrimentos, pensou que estava embriagada.

     Unção e adoração eram coisas de homens. Às mulheres cabiam os afazeres domésticos e a procriação de filhos. Deus não estava disponível aos seres inferiores (?).

     Não é assim que olhamos os diferentes de nós?

     Jesus, por outro lado, via com o seu interior, com a sua misericórdia, com a sua bondade e a sua graça. Quando Jesus viu a multidão, ficou com muita pena porque aquela gente estava aflita e abandonada, como ovelhas sem pastor – Mateus 9:36.

     Quando Jesus saiu do barco e viu aquela grande multidão, ficou com muita pena deles e curou os doentes que estavam lá – Mateus 14:14. Jesus via através da finalidade da sua vida, que não era outra senão a de salvar, curar e dar consolo às pessoas.

     É bom lembrar que as pessoas famintas e desesperadas não têm ideologias, nem valores por que lutar ou defender, exceto a subsistência na dura realidade de sua amarga existência. São pessoas que pensam o mundo com o corpo, que sentem a vida com a dor, com a pele e com o imediato.

     Na vida, nunca chegarão a ser estrelas, somente figurantes periféricos. Isso não é preconceito é a pura realidade de milhões de seres humanos, esquecidos pela História, pelos privilégios que a civilização nos outorgou e pelos direitos sociais. Lamentavelmente, podemos afirmar, até pela igreja.

     Alguém já disse: a miséria é ingovernável.

     A luz interna de Jesus iluminava todos os recantos tenebrosos das almas daqueles pecadores que com ele mantinham contato. Ao conhecer o interior no mais profundo de cada pessoa, isto o habilitava a amá-las e querer salvá-las, estar com elas.

     Precisamos desenvolver o olhar de Jesus em nossas vidas se queremos ser corretos em nossa avaliação daqueles que cruzam o nosso caminho. Daqueles que conosco experimentam a grande aventura de viver.

     A Igreja pode ser os olhos de Deus que ao ver as pessoas procura reconduzi-las à graça de viver sem o pesadelo dos escombros de uma vida de fracassos e sofrimentos. E sem o desespero de alguém sempre lembrando de seus erros.

     Como igreja, podemos ser hoje a resposta para as perguntas que o mundo faz, mas que não consegue obtê-la em sua procura.
 
 
(*O autor é Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie).

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