sábado, 11 de setembro de 2010

Circo Guaraciaba: repaginado, mas sem perder a essência

Daniela Jacinto

Notícia publicada na edição de 11/09/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno D
 
 



A direção do espetáculo é de Mário Pérsico
Foto: Erick Pinheiro


 
Se fosse possível voltar no tempo, há quase 50 anos, assistiríamos à época de ouro do circo-teatro. Em 1962, Guaraciaba Malhone, então com 18 anos de idade, estaria se preparando para mais uma apresentação da peça “A Escrava Isaura”. Interpretaria a personagem principal. O texto, claro, estava mais do que decorado, afinal, já tinha se cansado de ver a mãe, Dalva Fernandes, fazer inúmeras vezes esse mesmo papel. Pisaria no palco do Circo Guaraciaba, sim, é seu nome, numa homenagem que o pai, Antonio Malhone, o Palhaço Pirulito, fez a ela, e mais uma vez encantaria a plateia. Seus colegas de elenco, que interpretariam os escravos negros, estariam agora queimando rolhas para tingir o corpo. No pensamento de todos, a expectativa de lotação da casa.
Enfim, nem é preciso dizer que muita coisa mudou desde aquela época. As rolhas foram substituídas por maquiagem e Guaraciaba já não é mais a mesma. Hoje com 66 anos de idade, ela traz na bagagem histórias sobre um período em que cantores e grandes artistas apresentavam-se nesses espaços e principalmente os laços familiares formavam-se ali. Para quem se esquece de que a vida é cíclica, o circo-teatro está de volta. Repaginado, claro. Agora dialoga com as questões atuais, utiliza-se de alguns artifícios da modernidade, mas não deixa de reproduzir as peças, como naquela época. E Guaraciaba, depois de tantos anos, volta ao palco para apresentar a mesma peça. Pode não ser a mesma personagem, afinal agora cede lugar à futura nora. Mas o fato é que o pessoal da velha guarda do circo uniu-se à juventude do teatro para formar a Trupe Circo-Teatro Guaraciaba, que já está em sua segunda peça. A partir de hoje, o público poderá conferir “A Escrava Isaura” que cumpre temporada no circo instalado no quintal da Biblioteca Infantil até o dia 3 de outubro. A entrada é gratuita, já que o projeto, intitulado “Circo Guaraciaba - O Espetáculo Não Pode Parar”, conta com o apoio da Lei de Incentivo à Cultura (Linc) de 2010, que financiou R$ 45.876,80.
Sob direção de Mário Pérsico, “A Escrava Isaura” é baseada na obra de Bernardo Guimarães e conta as desventuras de uma escrava branca e educada, vítima de um senhor devasso e cruel. Esse livro foi escrito em plena campanha abolicionista (1875). O Circo Guaraciaba apresentou a história pela primeira vez em 1949, e a partir dali seguiu como um dos espetáculos do repertório do circo. Posteriormente, o texto foi sucesso na televisão brasileira.
Para encenar a peça novamente, a equipe precisou buscar o texto na Biblioteca Miroel Silveira, da USP. “Quando meu pai vendeu o circo, ele vendeu junto todos os textos”, afirma Guaraciaba. Antonio Malhone tinha mais de 90 textos e apresentava um espetáculo por dia sem repetir. “Todos tínhamos os textos na ponta da língua”, lembra.
Para Guaraciaba é gratificante voltar ao palco com a nova geração. “A gente sente o amor daquela época, mas numa época atual, com a modernidade. Estamos felizes de ter a oportunidade de ainda estar aqui para mostrar como era, reviver um presente vivo e conviver com os jovens, passar para eles uma coisa que fizemos. Mantém o circo-teatro de antes, mas com inovações, o que para nós é maravilhoso. Não imaginava que voltaria ao palco. Agora, tudo tem uma pitada de Mário Pérsico”, diz.
O diretor, por sua vez, sente-se honrado com a participação. “No ano passado fui convidado para dirigir O Ébrio, de Gilda de Abreu, um clássico do circo-teatro, e agora novamente. Tento não mudar muito para deixar com a cara deles, e ao mesmo tempo ter a minha cara. Enfim, vou tentando mostrar um outro caminho, mas não tem como fazer de conta que a experiência deles não existe, então o que fiz foi tentar colocar o circo-teatro na atualidade”, afirma.

 
Circo-Teatro Guaraciaba

O Circo-Teatro Guaraciaba, inaugurado em 1946 por Antonio Malhone (Palhaço Pirulito) e Adalberto Fernandes, ficou famoso por seu repertório de peças adaptadas ao circo-teatro, com dramas e comédias que raramente se repetiam e lotavam as plateias a cada apresentação. A trupe resistiu bravamente até o começo da década de 80, quando então o Circo Guaraciaba fechou as portas. Atualmente, o grupo de artistas descendentes do famoso circo reside em Sorocaba e Votorantim.
Alexandre Malhone, filho de Guaraciaba, conta que a organização dessas pessoas de circo para retomar a trupe começou em 2006. “Em 2002, fomos convidados por José Rubens Incao, diretor da Biblioteca Infantil, para participar da Semana do Circo. Realizamos algumas apresentações simples até que em 2004 fomos convidados para integrar o projeto do Grupo Manto, que encenou O Céu Uniu Dois Corações. Foi nesse momento que começamos a nos enturmar com o pessoal todo e, em 2006, entramos com nosso próprio projeto na Linc, o Circo Guaraciaba 60 anos. A partir daí a gente retomou a trupe de novo, passamos a receber convites para festivais, mostras de circo, participamos do projeto Satyrianas, dos Parlapatões, enfim. Paralelamente a isso temos realizado muita pesquisa com o circo teatro”, conta.
Para Alexandre, essa nova fase do circo-teatro é o “resgate de uma história com a história viva”. “Temos a oportunidade de estudar com eles (o pessoal da velha guarda), eles estão aqui. E a inserção desse pessoal do teatro tradicional é rica para a gente porque com eles podemos aprender o outro lado”, diz.
Quando o Circo Guaraciaba fechou suas portas, em 1984, Alexandre Malhone tinha 15 anos de idade e foi então trabalhar no circo de picadeiro. “Sempre trabalhei em circo”, orgulha-se.
Integram o elenco de “A Escrava Isaura”, atores especificamente da “família do circo”: Alan Machado (neto de Hudi Rocha, o palhaço Fedegoso), Alexandre Malhone (filho de Guaraciaba), Davis Carvalho (filho de Guaraciaba), Ediméia Rocha (esposa de Hudi Rocha), Geisa Helena (namorada de Alexandre), Guaraciaba Malhone, Hudi Rocha, Iracema Cavalcante (esposa Vioblaque Cavalcante, já falecido), Luciana Malhone (filha Guaraciaba), Márcia Jardim (nora Guaraciaba) e Ricardo Malhone (filho Guaraciaba). Ainda integram o elenco os atores Alexandre Miranda, Renato Gomes, Richard Godoy e Mário Pérsico. A preparação de atores é de Rodrigo Scarpelli

SERVIÇO - A Biblioteca Infantil fica na Rua da Penha, 673, Centro. Apresentações: sábados e domingos (e sexta-feira dia 17 de setembro), até o dia 3 de outubro. Sempre às 19h30. Entrada gratuita. Lotação máxima: 200 pessoas. Informações: (15) 3247-5805.

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