segunda-feira, 18 de outubro de 2010

NOBEL DA PAZ CONTRA O TOTALITARISMO CHINÊS

Manoel Peres Sobrinho

Esta é a inconfessada metafísica do realismo: o sistema é a medida de tudo. Ele é o que a tudo julga, mas não considera ninguém qualificado para julgá-lo. E esta é a inconfessada antropologia do realismo: o homem não é senão uma função da estrutura social – Rubem Alves, in Tomorrow’s child. 

Segundo a Anistia Internacional e a ONG Human Rights Watch alguns pontos-chave da luta pelos Direitos Humanos, ainda estão muito longe de solução em território chinês. Na questão da democracia, a China, ainda é um país sem eleições diretas para os principais cargos de comando e convive com uma política monopartidária, mantendo unicamente, o Partido Comunista Chinês, fundado em julho de 1921. A internet, com um número de 400 milhões de usuários, tem o seu acesso controlado pelo governo. As mulheres são obrigadas a fazer a esterilização e o aborto. O objetivo é restringir o número de filhos na família. O Tibete, que há muito deveria ser livre e autônomo, principalmente em questões religiosas e culturais está sob o jugo e poder chinês. A religião tem suas atividades cerceadas por patrulhamento constante e exigências legais descabidas. Todos os prédios religiosos como templos, mesquitas, igrejas ou monastérios, sem registros, são considerados ilegais e, portanto, cabe intervenção federal.

Para nós que vivemos nessa confusão balburdiante de confundir liberdade com libertinagem, liberdade de informação e imprensa com calúnia sem a necessidade da prova, a posse mansa e pacífica de terra com invasão criminosa e irresponsável, fica difícil, muito difícil (!!) entender a mentalidade estatal chinesa. No entanto, por motivos sociológicos, questões como essas devem ser analisadas e entendidas pelo viés cultural e antropológico.

A escolha do ativista Liu Xiaobo para o Prêmio Nobel da Paz de 2010 só poderia ser vista pelo Comitê Chinês como uma provocação. E não deixa de ser mesmo. Para quem entende que manifestações pacíficas são vistas como atos de insubordinação civil e política, premiar alguém assim, é no mínino intervir em questões de soberania nacional. Daí o estranhamento do governo chinês. No entanto, o presidente do Comitê Nobel, Thorbjoern Jagland, tem outra opinião sobre o assunto. Para ele, pelo fato de a China ser hoje a segunda maior economia do mundo deve assumir “mais responsabilidades”. Quanto a Liu, afirma Jagland: “Nas duas últimas décadas, Liu Xiaobo foi um grande porta-voz em favor dos direitos fundamentais na China”.

A biografia de Liu é deveras peculiar. Primeiro cidadão chinês a receber o prêmio tem o árduo trabalho de amansar o tigre asiático para a implantação das reformas democráticas tão almejadas por ele e sonhadas pelo povo. Aos 54 anos, professor de literatura afastado tem intenso trânsito nas prisões chinesas, fruto de sua atividade considerada fora da lei. Sua primeira detenção se deu durante as repressões aos protestos do movimento estudantil na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em junho de 1989. Em 2008 foi preso novamente por ter assinado, com outros dez mil signatários, a Carta 08, na verdade, uma petição exigindo reformas políticas no regime comunista. Em 2009, como dissidente, foi condenado a 11 anos de prisão por atos de “subversão”. Fato que teve repercussão no mundo todo.

Para a cúpula de Pequim a reação só poderia ser a indignação. Wen Jiabao, Primeiro Ministro Chinês, em visita à Turquia, nem sequer quis falar sobre o assunto quando questionado pelos jornalistas. Já, Ma Zhaoxu, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, alegou em nota, que “Liu Xiaobo é um criminoso condenado pelo sistema judiciário chinês.” E relembrou ainda, que esse ato vai abalar as relações entre a China e a Noruega.

O chanceler norueguês, Jonas Gahr Stoere, no entanto, é mais otimista e prevê “um efeito negativo, caso haja uma reação diplomática mais hostil”, por parte do Comitê chinês. A poetisa Liu Xia, esposa de Liu entende que a “China deve aceitar esta responsabilidade, sentir o orgulho de ter sido escolhida e libertar meu marido”.

Muito embora o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, tenha ressaltado o “sacrifico pessoal” de Liu, e Dalai Lama encontre louvor na luta do ativista “por reformas políticas, jurídicas e constitucionais”, questões como essa se arrastam por décadas até caírem de podre. Mas fica uma certeza: ser herói em tempo de crise é um sofrimento que poucos estão dispostos a suportar. Liu Xiaobo é um candidato vocacionado. Esperemos para ver o desfecho.

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