As palavras são ao mesmo tempo indispensáveis e fatais. Tratadas como hipóteses de trabalho, as proposições sobre o mundo são instrumentos por meio dos quais somos capacitados progressivamente a entender o mundo. Tratadas como verdades absolutas, como dogmas que devem ser engolidos, como ídolos que devem ser adorados, as proposições sobre o mundo torcem nossa visão da realidade e nos conduzem a todo tipo de conduta imprópria –– Aldous Huxley in Os Demônios da Loucura.
Há, pelo menos, três grandes razões para nós brasileiros festejarmos o Prêmio Nobel de Literatura de 2010 concedido ao escritor peruano Mario Vargas Llosa pela Academia Sueca.
Em primeiro lugar, por ser um escritor do nosso Continente. Não é pouco, esse olhar da Academia Sueca para um território do terceiro mundo e em desenvolvimento ser observado com simpatia por tão alta condecoração. Daí, o ceticismo do próprio Llosa ao ser anunciado o seu nome. Se pensarmos, que até bem pouco tempo, o mundo considerado civilizado, não passava por nossas terras. Mais ainda, compreendido como exótico e reserva para exploração de matéria prima, aqui era um território selvagem que deveria ser colonizado e alterado para chegar ao status de “cultura” com verniz europeu. Isso fez com que por muito tempo os olhos da Academia Sueca estivessem voltados para escritores europeus ou norte americanos. Nomes como Herta Muller, Jean-Marie Gustave Le Clézio, Doris Lessing, Harold Pinter, Elfriede Jelinek, V. S. Naipaul, Gunter Grass, Dario Fo, Wislawa Szymborska estiveram em sua lista, sem nenhum favor, para citar os mais recentes. Assim, esta concessão faz-nos pensar que os tempos são outros e já podemos até sonhar com um Nobel de Literatura brasileira, já que temos nomes à altura de tal façanha.
Outro fato é o ser sua literatura, aquilo que podemos chamar de literatura engajada. Sua militância política levou a Academia Sueca considerar sua obra como textos, como diz o próprio Llosa, que “tenham para os leitores uma importância comparável ao papel de Cervantes e Flaubert tiveram”. A Academia Sueca, ainda, considerou sua obra por sua “cartografia das estruturas do poder e mordazes imagens das resistências, da rebelião e derrota do indivíduo”. Segundo Antonio Gonçalves Filho, “em A Verdade das Mentiras, faz uma defesa intransigente da fortaleza interior do Doutor Jivago de Boris Pasternak (1890-1960), um dos autores analisados no livro e que, como ele, ganhou o Nobel em 1958.” Longe de confundir a estória dos romances com o desafio do fato hodierno, buscou ser coerente com aquilo que acreditava como cidadão e indivíduo privilegiado. De oposição ao governo do presidente Alan Garcia, em 1987, por sua “posição nacionalista e socialista”, veio a candidatar-se às eleições presidenciais de 1990, mas foi derrotado pelo então candidato populista Alberto Fujimori. Como reação imediata aceitou a nacionalidade espanhola em 1993, sem, no entanto, rejeitar a de origem.
Por último, a publicação do texto A Guerra do Fim do Mundo (1980), “épico em que exercita seu lado jornalístico com rigor, reavaliando a figura de Antônio Conselheiro e a campanha de Canudos, temas do clássico Os Sertões, de Euclides da Cunha”, conforme relata Gonçalves Filho. É uma dádiva para nós brasileiros. Já que, em nossos sertões, sempre tivemos uma tradição mística imbricada com rebelião política. Países latinos americanos que não viram outra saída, senão, buscar no Céu um aliado poderoso para os seus anseios políticos regionais. Vide também, nesse caso, O Contestado, uma espécie de versão sulista das aspirações político-religiosas de Antonio Conselheiro e seus seguidores. São obras que devem ser revisitadas hoje por todos nós.
Nascido em Arequipa, na cordilheira dos Andes, migrou com a mãe divorciada para Cochabamba, Bolívia, onde fez seus primeiros estudos. Ao retornar ao Peru, em 1946, conheceu o seu pai, quando já tinha 10 anos. Aos 74 anos hoje, com seis décadas de literatura, começou escrevendo, aos 16 anos a peça de teatro Huida Del Inca (A Fuga do Inca). Escreveu, já, mais de 30 romances, peças de teatro e ensaios. “Enfrentou desde cedo a resistência moral de uma sociedade conservadora, identificando-se, portanto, com Pasternak, que fez de Jivago – homem comum, sem qualidades excepcionais, esmagado pela revolução – seu anti-herói modelar.”
Como professor na Universidade de Princeton, sua visão vai muito além das salas de aula ou textos romanescos. Por isso, descarta a apatia de uma vida sem sonhos utópicos, ao dizer: “Sempre participei da política como intelectual interessado no confronto de idéias, mas nunca me imaginei assumindo cargos, não era a minha vocação. (...) Mas não se pode prescindir da política. Nem tente fechar as portas para ela, pois irá vê-la entrando pelas janelas.”
*O autor é membro da Academia Votorantinense de Letras, Artes e História
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