terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Gláuber Piva, diretor da Ancine, fala sobre o fomento e difusão da sétima arte no país

Cruzeiro do Sul

Existe uma série de critérios que ajudam o empreendedor a investir menos, desde que ele procure cumprir os programas


Gláuber Piva cumpre mandato no órgão até maio de 2013
Por: LUIZ SETTI / ARQUIVO JCS




Atualmente, apenas 8% dos municípios brasileiros possuem salas de cinema, mas os projetos para mudar esse quadro são tantos que é possível vislumbrar uma cena melhor para os próximos anos. Isso porque a Agência Nacional do Cinema (Ancine) tem investido sistematicamente no incentivo aos empreendedores, que já veem na sétima arte um bom negócio. Conforme Gláuber Piva, que foi secretário de cultura de Votorantim e desde 2009 ocupa o cargo de diretor da Agência, o país passou a contar com muitos investidores de cinema, entre eles Adhemar Oliveira, que abriu em Sorocaba as salas do Villàggio. ¿O empresário deve ter por volta de 90 salas e está se tornando um dos grandes exibidores de cinema no Brasil¿, observa Piva, acrescentando que o projeto de expansão para mais cidades não é o suficiente, é preciso estimular também o consumo. Um caminho possível para isso, acredita, é por meio do Vale-Cultura.



A Ancine é uma entidade reguladora vinculada ao governo federal cujo objetivo é fomentar a produção, a distribuição e a exibição de obras cinematográficas e videofonográficas em seus diversos segmentos de mercado, assim como promover a auto-sustentabilidade da indústria nacional. Gláuber Piva cumpre mandato no órgão até maio de 2013. Em entrevista ao Mais Cruzeiro, ele comenta ainda que um dos planos de fomento é levar o cinema para o celular, inclusive. Confira a entrevista:



Em maio você completa dois anos na Ancine. O que conseguiu realizar nesse período?

Foi possível participar de dois trabalhos importantes: o aprofundamento do diálogo com o setor de produção de audiovisual no sentido de desburocratização da agência, que está bastante avançado mas ainda não foi concluído, e outro trabalho que visa a expansão do parque exibidor, que trata especificamente da expansão das salas de cinema do Brasil. Para você ter ideia, apenas 8% das cidades brasileiras têm salas de cinema. Queremos mais salas e em mais cidades e estamos trabalhando para que as classes C e D tenham acesso. A expansão do parque exibidor é resultado da combinação dos projetos ¿Cinema Perto de Você¿ e ¿Cinema da Cidade¿. Este último trabalha com emendas parlamentares na perspectiva da criação de cinemas públicos geridos por empreendedores privados. Já o ¿Perto de Você¿ é um programa ancorado no fundo setorial do audiovisual, numa gestão combinada da Ancine com o Bndes, que combina investimento em novas salas com financiamento.



Com esses apoios, é certo dizer que investir em cinema hoje é um negócio lucrativo?

Sim. Existe uma série de critérios que ajudam o empreendedor a investir menos, desde que ele procure cumprir os programas. Talvez o empreendedor de cinema que mais tem buscado essa linha é o Adhemar Oliveira, que abriu em Sorocaba as salas do Villàggio. Ele deve ter por volta de 90 salas e está se tornando um dos grandes exibidores de cinema no Brasil. O país tem muitos investidores de cinema, entre eles está o grupo mexicano Cinépolis (maior operador de cinemas da América Latina e quarto do mundo), que pretende abrir até o próximo sábado, 200 salas no Brasil. Temos também o Cinemark e o grupo carioca Severiano Ribeiro, que trabalha com cinema desde os anos 30. Eles têm mais de 200 salas e é hoje o maior grupo brasileiro. O governo federal entende que é seu papel ampliar as salas de cinema no Brasil porque a cinematografia é parte relevante do projeto de desenvolvimento de um país e isso foi levado para a frente pelo governo Lula. Acredito que a presidente Dilma Rousseff manterá, ainda mais porque ela presidiu durante quatro anos o Conselho Superior de Cinema, órgão responsável pela aprovação da política nacional de cinema no Brasil.



Você disse que apenas 8% das cidades brasileiras têm salas de cinema e que a Ancine tem se dedicado ao aumento desse número. Durante os nove anos de atuação efetivos da entidade, o que foi conquistado a respeito?

Certamente o número de salas de cinema tem crescido ano a ano. Mas veja bem, em 1975 o Brasil tinha 3.276 salas, lembrando que elas eram muito maiores, tinham de 800 a mil lugares. Dez anos depois, em 1995, eram 1.033 salas. O que aconteceu? Entre os anos 80 e 90 o Brasil passou por um processo radical de empobrecimento das cidades e da periferia, com o êxodo rural a população nas cidades aumentou, com isso houve uma favelização e aumento da violência, o que fez com que mudasse o perfil do comércio. Os cinemas de rua foram para os shoppings, deixando de serem populares. Isso contribuiu para o processo de elitização do cinema brasileiro, então agora vem o grande esforço de popularizar. O Vale-Cultura, que está para ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff, acredito que ajudará nesse sentido.



O Vale-Cultura seria, então, um caminho para as pessoas terem acesso ao cinema?

Historicamente o país nunca teve uma política de fomento ao consumo cultural, ele sempre colocou recurso na produção, então essa é uma iniciativa. As pessoas têm de ter dinheiro na mão para consumir cultura com liberdade. A ministra, por exemplo, acaba de criar a Secretaria de Economia Criativa, que visa estruturar melhor a produção cultural, não só artística, dando qualidade econômica para que ela possa se estabelecer com maior altivez no Brasil e no mundo, sim, porque participamos com quase 10% do PIB mundial, somos um país emergente e de relevância no mundo, por isso temos de estar preparados.



De que forma a Ancine tem atuado na política pública para o audiovisual no Brasil?

A política pública para o audiovisual no Brasil é uma combinação de ações da Ancine com a Secretaria do Audiovisual (SAv). Há vários programas de financiamento à produção de filmes no Brasil, como o DOCTV, de fomento à produção e difusão de documentários nas TVs públicas. A partir dele foi criado o DOCTV Iberoamerica (que leva a produção independente aos países ibero-americanos). Tem também o projeto Revelando os Brasis, de estímulo à produção de vídeos digitais e que é dirigido a moradores de municípios com até 20 mil habitantes. Temos projetos pensando no cinema para a TV e para a internet, por isso existe uma proposta de criar um acervo e um banco de conteúdos para difundir essa arte na web.



Aqui na região de Sorocaba, tem sido feito algum trabalho específico?

Estive várias vezes na região, mas quem mais me solicitou foi a prefeitura de Votorantim. No começo deste ano me reuni com o prefeito Carlos Pivetta e discutimos projetos para Coletivos Criativos de Estímulo à Produção de Games e também de audiovisual, até mesmo para a difusão na internet. Quem sabe a prefeitura possa fazer um programa casado com o Ministério da Cultura, mas o projeto ainda está sendo desenhado. O que posso dizer é que estou à disposição das prefeituras da região.



Antes de deixar o cargo, o presidente Lula tratou de aumentar a cota de tela para o cinema brasileiro. Isso resolve a questão da distribuição do filme nacional no país?

Quando o problema não é simples, as soluções também são complexas. A cota de tela foi criada na década de 50 por Getúlio Vargas e ela é parte de uma solução, já que exige que os cinemas exibam uma determinada quantidade de filmes brasileiros por ano. Apesar de buscar essa obrigatoriedade, é preciso de dar condições das pessoas irem aos cinemas.



O Brasil tem tido muitas experiências bem sucedidas na área nos últimos anos, mas ainda há pessoas que têm preconceito com relação ao filme brasileiro. Na sua visão, esse é um resquício da má fase em que o país passou com relação à produção de cinema ou existem tópicos a serem melhorados?

Essa afirmação é sempre muito delicada. As pessoas não gostam de filme ruim, se o filme for bom elas vão assistir, como aconteceu com ¿Tropa de Elite¿, ¿Nosso Lar¿, ¿Chico Xavier¿, enfim, o filme brasileiro tem sido muito visto. Nos últimos 20 anos, só um filme foi mais visto que ¿Tropa de Elite¿ no Brasil, que foi o ¿Titanic¿, todos os outros foram vistos menos que ¿Tropa de Elite¿, então eu digo que brasileiro gosta sim de filme brasileiro, desde que seja bom, que lhe agrade.



Com relação aos curtas-metragens, o que a Ancine tem feito para divulgar essas produções, que ficam mais restritas a festivais?

A Ancine fomenta poucos curtas, esse trabalho é feito mais pela Secretaria do Audiovisual. Realmente, o acesso aos curtas é muito difícil, sobretudo para quem está fora das grandes cidades. O ideal seria exibir o curta antes do longa-metragem. Temos de pensar também nos celulares como difusores do filme brasileiro, tem ainda a internet, e estamos na expectativa da aprovação do PLC 116, que é um projeto de lei complementar que estalebece regras para a exibição de filmes brasileiros na TV fechada. Esse projeto está no senado para ser votado e vai garantir que canais como Fox e Sony exibam toda semana pelo menos 3h30 de produção nacional, sendo metade disso de produção independente.



Tendo em vista a facilidade com que os filmes são baixados na internet, ainda existe chance de sobrevivência para as locadoras? De que modo a Ancine vem atuando no incentivo a esses comércios?

Essa é uma questão delicada porque o mercado de locação de filmes tende a se reduzir drasticamente nos próximos anos. Tem vários modelos de venda e locação pela internet, no mercado legal mesmo, e com a TV digital deverá prejudicar mais. Locadora é um modelo de negócio que tem tempo de vida útil. As grandes distribuidoras estrangeiras criaram um sistema ¿ultraviolet¿ para difusão dos filmes na internet, então não tenha dúvida de que a forma de se consumir áudio no mundo vai passar por drásticas mudanças. E as locadoras terão de se adaptar a isso. Por outro lado, as salas de cinema serão um lugar que oferecerá mais do que assistir filmes, as pessoas poderão conferir uma ópera que está acontecendo em Londres, por exemplo, então as salas de cinema se tornarão centros de consumo audiovisual, que vai além do modelo tradicional de exibição de filmes.

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