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Por Cida Muniz
A decisão do STF (Superior Tribunal Federal) do dia 5 de maio deste ano, que por unanimidade - 10 a 0 - reconheceu a união estável homoafetiva, está refletindo em todo o país e na nossa região não é diferente. Após a decisão do STF, as advogadas de Sorocaba Vânia Mara Ferreira e Darlise Elmi entraram com uma ação no fórum de Votorantim, solicitando o reconhecimento da união de um casal gay masculino que está há 26 anos vivendo junto.
O casal reside em Votorantim, mas trabalha em São Paulo, porém, pelo Código do Processo Civil, a ação tem que ser impetrada na cidade onde as partes residem. Vânia conta que conhece o casal há 30 anos e há 26 anos eles passaram a viver embaixo do mesmo teto.
Com o reconhecimento por parte do Judiciário da união homoafetiva, a teoria partiu para a prática. Para Darlise, esta é uma forma de preservar as pessoas que, muitas vezes, construíram um patrimônio durante a vida e sem o reconhecimento da união eles não eram herdeiros.
Darlise alega que mesmo o casal tendo adquirido bens em conjunto, senão houver o reconhecimento da união estável, em caso de falecimento, por exemplo, a outra parte terá que provar a colaboração na compra dos bens. “Mas isso não é uma exclusividade dos homossexuais. Casais heteros-sexuais ou se casam ou buscam também o reconhecimento da união estável. A questão está sempre muito ligada ao lado material. Na sociedade em que vivemos, a pessoa adquire bens e depois isso vira herança. Sem o reconhecimento da união, herdeiros que muitas vezes nem conviviam com uma das partes podem, através do Judiciário, reivindicar seus direitos”. Nesse caso, acrescenta Vânia, pode haver um desgaste familiar em razão da disputa pela herança.
Auge da Aids
Na década de 1980, quando surgiram os primeiros casos de pessoas contaminadas pelo vírus HIV que vieram a falecer, foram inúmeros os casos das famílias, que nem tinham contato com o parente por questão de preconceito e, após a morte tomavam conta da casa e de outros bens, deixando a outra parte totalmente desamparada. “O companheiro estava chorando no velório e a família já havia trocado a fechadura do imóvel”, desabafa Vânia.
Para as advogadas a questão é simples: é uma preservação de direitos, porém também existem os deveres e obrigações. Por exemplo, se houver a separação, uma das partes pode ter que pagar pensão e até fornecer alimentos, se for o caso. Na questão prática, ressalta Vânia, a decisão do STF é o “reconhecimento que duas pessoas formam uma família”.
Darlise destaca que o STF, reconhecendo a união homoafetiva como uma forma de família, também admite que a responsabilidade é entre o casal. Em caso de separação o tratamento é igual tanto para o casal hetero como para o homo.
INSS
Outro fator primordial agora com o reconhecimento da união homoafetiva é relativo ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). As advogadas detalham que em caso de falecimento de uma das partes, inclusive de casais heteros, se não existir o casamento legal ou o reconhecimento da união estável, será muito difícil reunir as provas para se receber pensão. Agora com o reconhecimento o INSS terá a obrigatoriedade de conceder a pensão.
Vânia avalia que o Superior Tribunal Federal avançou muito com a decisão do reconhecimento, pois isso é uma forma de quebrar preconceitos e tratar as pessoas com igualdade.
O julgamento da ação que está na Segunda Vara Cível de Votorantim não tem data para acontecer. Seguirá o trâmite normal do Judiciário, como se o casal fosse heterossexual. As advogadas lembram que o Judiciário está abarrotado de processos e a juíza pode até marcar uma audiência de justificativa, apesar de o processo conter vários documentos que comprovam a união do casal há mais de 25 anos.
Vânia e Darlise elogiam a atitude do Judiciário, inclusive em nível local, pelas decisões baseadas no anseio da sociedade, sendo esses avanços uma necessidade. Elas lembram que o divórcio somente foi instituído no país, exatamente pelo anseio da sociedade e assim está sendo com a união estável.
Judiciário atento
Na verdade, o casal de Votorantim já estava procurando o Judiciário desde 2007, quando Vânia ajudou-os a fazer um contrato de sociedade de fato. Eles foram juntando a docu-mentação e não havia jurisprudência. Quando a papelada estava total-mente pronta, coincidentemente, o STF se pronunciou favoravelmente pela união estável e assim as advogadas entraram com a ação.
O Judiciário, na opinião de Darlise, fez o papel do Legislativo ao atuar na questão da união homoafetiva, isso porque ele acompanha a evolução da sociedade. O próximo passo após o reconhecimento da união homoafetiva, seria a união civil, mas isso somente pode existir através de lei e, na opinião das advogadas, isso deve demorar uns dez anos. Neste sentido elas cobram a participação efetiva da comunidade homossexual.
Casal está junto há 26 anos
Vinte seis anos é muito tempo. Mais da metade da população brasileira tem menos que 26 anos. Vinte e seis anos é mais que um quarto de século. Vinte e seis anos são quase três décadas. Por isso, o casal homossexual a quem chamaremos de José e Eric, são precursores em assumir a homossexualidade, constituindo uma família, conforme destaca o STF (Superior Tribunal Federal) ao reconhecer a união homoafetiva por unanimidade (10 a 0). Apesar de não ter abordado o tema com os entrevistados, a título de informação, vale lembrar que a Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) foi “batizada” em 1982, nos Estados Unidos. No ano seguinte a Aids chega ao Brasil. Um ano antes do casal se conhecer. José e Eric venceram o preconceito e a Aids.
Foram feitas três perguntas ao casal, sendo a primeira, meio óbvia: como vocês se conheceram. “Nos conhecemos em um bar em 1984. Estava sentado com uma amiga quando ela convidou meu atual companheiro pra sentar-se junto a nós, pois era amigo dela. Nos conhecemos e marcamos de nos encontrar no próximo final de semana, pois estudava em São Paulo, e só ia a Sorocaba nos finais de semana para ficar na casa dos meus pais”.
Coincidência ou não?
“Coincidentemente, se é que coincidências existem, meu pai era o médico ortopedista do meu companheiro desde que ele tinha dois anos de idade, porém, nós nunca nos encontramos antes. Surpreendente não é? E estamos juntos até hoje”. O casal também foi questionado de como surgiu a ideia de entrar com a ação. “Por orientação das nossas advogadas Vânia e Darlise para que possamos ter os benefícios que agora são direito de casais com relações homoafetiva. Há mais de cinco anos fizemos um contrato de parceria civil para assegurar os bens, por nós adquiridos em conjunto”. No último questionamento, indaguei se havia preconceito na família e se houve algum motivo para eles terem entrado com a ação. “Quando se trata de família, onde um dos membros possui uma relação homoafetiva é preciso assegurar que o conjunge, no caso o parceiro, não venha a sofrer retaliações por parte das leis e principalmente por parte dos membros da família”. O preconceito é reconhecido pelo casal. “Na maioria dos casos, os familiares não aceitam essa opção sexual, sentem vergonha e não apóiam a relação em nada, porem, quando o homosexual da historia falece, a família é a primeira a vir e exigir seus diretos (leia-se bens financeiros) e deixar a outra parte, no caso o parceiro, sem nada do que construiu junto com seu companheiro. Isso é um risco real, que pode ou não acontecer. Por isso, é melhor se precaver”, concluíram.
O que muda com a decisão do STF
Comunhão parcial de bens
Conforme o Código Civil, os parceiros em união homoafetiva, assim como aqueles de união estável, declaram-se em regime de comunhão parcial de bens
Pensão alimentícia
Assim como nos casos previstos para união estável no Código Civil, os companheiros ganham direito a pedir pensão em caso de separação judicial
Pensões do INSS
Hoje, o INSS já concede pensão por morte para os companheiros de pessoas falecidas, mas a atitude ganha maior respaldo jurídico com a decisão
Planos de saúde
As empresas de saúde em geral já aceitam parceiros como dependentes ou em planos familiares, mas agora, se houver negação, a Justiça pode ter posição mais rápida
Políticas públicas
Os casais homossexuais tendem a ter mais relevância como alvo de políticas públicas e comerciais, iniciativas embora nesse sentido já existam de maneira esparsa
Imposto de Renda
Por entendimento da Receita Federal, os gays já podem declarar seus companheiros como dependentes, mas a decisão ganha maior respaldo Jurídico
Sucessão
Para fins sucessórios, os parceiros ganham os direitos de parceiros heterossexuais em união estável, mas podem incrementar previsões por contrato civil
Licença-gala
Alguns órgãos públicos já concediam licença de até 9 dias após a união de parceiros, mas a ação deve ser estendida para outros e até para algumas empresas privadas
Adoção
A lei atual não impede os homossexuais de adotarem, mas dá preferência a casais, logo, com o entendimento, a adoção para os casais homossexuais deve ser facilitada

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