terça-feira, 23 de agosto de 2011

Inezita Barroso: elegância em prol da cultura caipira

Notícia publicada na edição de 23/08/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 1 do caderno C
Maíra Fernandes

Aos 86 anos e com 60 de carreira, cantora foi a homenageada da V Violeira de Votorantim


 
Até hoje, caipira é sinônimo de gente burra, doente, preguiçoso... Ai meu Deus, que injustiça! Mas isso foi um cochilo do Monteiro Lobato - Inezita Barroso - Por: Fábio Rogério

Se fosse para escrever este texto com o mesmo pensamento que permeou grande parte da sociedade, que delegou à cultura caipira o status de inferior, ele começaria assim: A elegância, a prosa lúcida e embasada, e o conhecimento de Inezita Barroso, 86 anos, passa longe da figura do caipira brasileiro. Mas essa comparação apenas reforçaria e repetiria a mesma ideia errônea e preconceituosa difundida por muito tempo no País, remetendo o caipira à imagem da pessoa mal vestida, preguiçosa e de poucos saberes. E é justamente contra esse pensamento, que há 60 anos Inezita Barroso, homenageada na abertura da V Violeiras de Votorantim, na última sexta-feira, encampa sua luta de amor e resistência.

Cantora, atriz, instrumentista, folclorista, professora, doutora Honoris Causa em folclore e arte digital pela Universidade de Lisboa e apresentadora de rádio e televisão brasileira, a artista, que está com dificuldade de locomoção, tem ideias lúcidas e potencial vocal perceptível. Ela recebeu a reportagem do Mais Cruzeiro poucos minutos antes de entrar em palco. Elegante, pouco parecia que, minutos antes, vinha de uma "farra" no hotel. "Minha neta Cristina que mora em Sorocaba esteve lá no hotel agorinha. Ela estudou Medicina aqui e levou os dois filhos pequenos para eu ver, foi uma farra", diverte-se a bisavô.



Mas o que a anima mesmo são os rumos que a cultura que tanto prega está tomando. Para ela, há 60 anos quando começou a pesquisar e militar em prol da causa, era muito diferente. "Mudou muita coisa nesses 60 anos. É um terreno muito difícil, pois tem muita cosia contra caipira... Mas caminhamos para uma mudança muito grande com a criação de orquestras de violeiros, principalmente infantis. Fico muito orgulhosa e fico muito entusiasmada pois a viola reviveu, estava empoeirada, quebrada. Gente, esse é nosso primeiro instrumento, desde os índios e jesuítas", defende Inezita que, desde 1980, está à frente do "Viola, Minha Viola", programa líder de audiência na TV Cultura. "Estou com sessenta anos de carreira sempre andando no sentido contrário da mídia. Sei que o diferencial da minha carreira foi a minha ida às fazendas do meus tios, quando conheci as rodas de viola. Aquilo me falava muito forte no peito, mas menina, naquela época, não podia frequentar as rodas, tinha mil preconceitos e fui quebrando uma a um, até fazer o "Viola, Minha Viola" ", rememora.


O "cochilo" de Monteiro Lobato


Inezita é uma pesquisadora "in loco" da cultura caipira. "Pesquisei muito, pois você não pode não saber do que está falando e o caipira é muito exigente, se falar que viola e violão são iguais, eles caem matando", comenta sempre bem-humorada. Com embasamento teórico e prático, a artista nascida em uma família de aristocrata, no Carnaval de 1925, na capital paulistana, e que se formou em Biblioteconomia pela Universidade de São Paulo (USP), é elegante até quando faz uma crítica ao fato que classifica como precursor da imagem "negativa" do caipira.


"Até hoje, caipira é sinônimo de gente burra, doente, preguiçoso... Ai meu Deus, que injustiça! Mas isso foi um cochilo do Monteiro Lobato - eu sei que não pode falar muito pois fica chato - mas vou citar só isso. Ele anunciava um fortificante em um almanaque precursor das histórias em quadrinhos e que era distribuído em farmácias, no almanaque tinha um caipira com bicho-de-pé, preguiçoso, deitado, pinguço... Um dia ele toma o diabo do remédio e fica lindo, com chapéu de feltro, bota, lenço vermelho. Não sei, mas acho que ele (Lobato), estava precisando de dinheiro para ter feito isso, sei lá. No fim do almanaque o caipira aparece chique de dentadura e tudo, mas ficou muito marcada essa imagem", critica ela que entende que, como ocorrido com a cultura negra, a cultura caipira sofreu os mesmos preconceitos decorrentes do pensamento da época. "E ainda sofre, pois tem gente que acredita que o caipira seja assim", lamenta.


Sobre o futuro da cultura caipira dentro da sociedade contemporânea, ela se posiciona: "Não sei até onde vai, eu vou até o fim, mas acho que não acaba mais, pois o caipira tem tudo isso guardado no peito", conclui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.

Ouça a Rádio Votorantim