domingo, 27 de maio de 2012

SEIS ANOS DEPOIS - Cenipa publica relatório final sobre acidente aéreo que matou sorocabanos e votorantinenses no Mato Grosso

Notícia publicada na edição de 27/05/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 002 do caderno E
Marcel Stefano


Combustível contaminado e possível falha do piloto são causas apontadas pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos


O avião da foto, um Bonanza, é idêntico ao que se acidentou no Mato Grosso - Por: Reprodução

Monomotor decolava da cidade de Alto Araguaia, mas teve problemas e chocou-se contra o chão - Por: Arquivo JCS/Juracy Rodrigues

Após a queda, o avião Bonanza explodiu. Na parte inferior da foto, o ponto de impacto da aeronave - Por: Arquivo JCS/Juracy Rodrigues
Um dos poucos pedaçõs da aeronave Bonanza que sobraram no local do acidente no Mato Grosso - Por: Arquivo JCS/Juracy Rodrigues

Cássio Loureiro Ferrari Júnior - Por: Arquivo JCS

Oduvaldo Vaccari - Por: Arquivo JCS

José Antonio Camargo, o "Zeca" - Por: Arquivo JCS

Ronaldo Krüger Pissini - Por: Arquivo JCS

No último dia 8 completaram-se seis anos de um acidente aéreo que abalou e marcou a vida de algumas famílias de Sorocaba e Votorantim e causou a comoção de tantos outros conhecidos e também nas prefeituras dessas cidades, onde dois deles trabalhavam. A manhã do dia 8 de maio de 2006, um dia de céu claro, terminou de forma trágica para o engenheiro e então secretário de Obras votorantinense, Ronaldo Krüger Pissini, para o biomédico Cássio Loureiro Ferrari Júnior, para o assessor de gabinete da Prefeitura de Sorocaba José Antônio Camargo, também conhecido como Zeca e para o empresário sorocabano Oduvaldo Vaccari. Passados seis anos do acidente, agora são conhecidas as possíveis causas do acidente que vitimaram os quatro amigos, que seguiam rumo a uma fazenda naquela região.

Eram por volta das 10h daquele dia, quando o avião Bonanza, de prefixo PT-KEZ, decolou de uma pista localizada na Fazenda Elo Dourado, no município Alto Araguaia (MT), rumo à cidade de Mineiros (GO), a 17 minutos de voo dali, a fim de efetuar o transporte de três passageiros. O avião correu a pista de cascalho de 700 metros de comprimento e 25 metros de largura, situada a 770 metros de altitude, para um fim trágico.
"Após a decolagem, sem efetuar o recolhimento do trem de pouso, ainda à baixa altura, a aeronave iniciou uma curva descendente à esquerda, vindo a colidir contra o solo. De acordo com testemunhas, o ruído do motor apresentou descontinuidade, aparentando falha." Segundo a aeronáutica, a aeronave colidiu inicialmente o nariz contra o solo, o que causou o desprendimento do conjunto da hélice. As demais partes da aeronave, como fuselagem, asas e empenagem, se chocaram de dorso com o terreno.
A aeronave, modelo BE-V35B, fabricada pela empresa Beech Aircraft em 1974, caiu na fazenda vizinha, chamada "Da Mata". Do impacto e incêndio que aconteceu em seguida, não sobrou nada nem ninguém. O relatório informa que "a aeronave colidiu contra o solo, explodiu, e foi completamente consumida pelo fogo."
Feita a investigação nos destroços do avião, apurados os certificados do piloto e de manutenção da aeronave e colhidas as informações junto às testemunhas, bem como, às pessoas que tiveram acesso às vítimas nos últimos momentos, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) do Comando da Aeronáutica reuniu as causas do acidente e publicou o relatório final A-032/Cenipa/2009. O relatório, de 15 páginas, é dividido em 3 partes: Informações Factuais, Análise e Conclusões. A primeira parte traz um histórico da ocorrência.

Levantamento de dados

Conforme o documento, para efetuar o pouso no aeródromo municipal de Alto Araguaia, foi apresentada uma notificação de voo do aeródromo de Sorocaba para o aeroporto de Amarais (em Campinas), uma vez que a pista de Alto Araguaia não era registrada ou homologada à época. A notificação deve ser feita antes de cada voo para que as autoridades conheçam o plano do piloto e tomem as devidas medidas caso a aeronave não cumpra os horários previstos no planejamento.
Depois de pousar em Alto Araguaia, o avião ficou estacionado por dois dias em área descoberta, próximo a um hangar, sem vigilância. Ainda conforme o documento, o voo fatídico consistia em um deslocamento com duração estimada de 17 minutos do aeroporto municipal de Alto Araguaia para a cidade de Mineiros, em condições de voo visual, ou seja, o piloto tinha condições meteorológicas para chegar ao seu destino usando apenas as observações visuais e sem precisar de equipamentos de navegabilidade para poder concluir o percurso. "As condições meteorológicas eram favoráveis ao tipo de voo, sem restrições de teto e de visibilidade."
Pelo plano de voo apresentado, em Mineiros o avião seria reabastecido. Com base nessa informação, a aeronáutica cogita que "a aeronave estaria abastecida com aproximadamente 58 litros de combustível, o que permitia uma autonomia de 1 hora e 50 minutos", diz o relatório.

Avaliações

As avaliações médicas, psicológicas, psicossociais e organizacionais do piloto, dados levantados com base no histórico do piloto e nos relatos das pessoas que estiveram com ele dias antes, não apresentam informações, senão de que "não foram encontrados indícios de alterações".
Já no item "Informações individuais", o relatório informa que "suspeitou-se que mediante a situação de emergência crítica, falha do motor logo após a decolagem, o piloto tenha fixado a sua atenção para identificar ou resolver a pena, quando a atenção deveria ser canalizada para o pouso forçado".
Com a queima da aeronave por conta da explosão, não foi possível estimar a quantidade de combustível nos tanques, mas os peritos verificaram que os manetes do avião estavam para a frente e a chave seletora de combustível direcionada para o tanque direito. A perícia também constatou que houve fratura por flexão do eixo de acoplamento da hélice com o motor e que todas as pás apresentavam amassamentos uniformes em direção à parte traseira da aeronave. "Tais características são condizentes de impacto sem potência", diz o relatório.
O material foi recolhido para análise em uma oficina de manutenção na cidade de Várzea Grande (MT), onde toda parte interna do motor foi inspecionada. Ali, verificou-se que a bomba de combustível estava "frenada, lacrada, (...) travada e uma das palhetas estava fundida com a carcaça. O eixo estava cisalhado. Havia material estranho incrustado no interior da bomba, o qual pode ter contribuído para a sua falha".

Hipóteses

Na análise feita pelos peritos com base nas evidências obtidas e provas coletadas, o relatório informa que diante do cisalhamento do eixo da bomba mecânica de combustível, "há a possibilidade de o piloto não ter ligado a bomba elétrica auxiliar, ou de ter ocorrido funcionamento irregular da mesma (baixa pressão, por exemplo). A pane da bomba mecânica teria impedido a alimentação regular de combustível para o motor, levando à perda de potência." O relatório afirma ainda que "no interior da bomba havia material estranho, que possivelmente contribuiu para a sua falha".
É aventada a hipótese que a perda de potência no motor durante a decolagem tenha ocorrido por vários motivos: a entrada de bolhas de ar na linha de alimentação da bomba de combustível ou contaminação do mesmo. Com base no plano de voo, a aeronáutica cogita também que a aeronave estivesse abastecida com menos de 58 litros de combustível, o que permitiria mais uma hora de voo. "Assim, considerando-se a distribuição entre os tanques, é possível que a espessura da lâmina de combustível fosse pequena, permitindo, sob certas condições de inclinação de asa ou de ângulo de ataque (ângulo do avião em relação ao horizonte), que entrasse ar na linha, levando ao funcionamento irregular do motor".
Outra hipótese cogitada é que a perda de potência se deu por causa do combustível contaminado. "Uma vez que a aeronave, por não possuir cadeados nos bocais dos tanques, pernoitou desguarnecida duas noites, terceiros podem ter roubado parte do combustível e colocado água no lugar para camuflar o roubo." O órgão da aeronáutica também levou em consideração como provável causa da queda, a possível entrada de umidade nos tanques do avião uma vez que ele ficou ficou fora do hangar por dois dias, exposto às condições meteorológicas, com o tanque não totalmente cheio. "É possível que na preparação para o voo, o piloto não tenha efetuado a drenagem dos tanques, por esquecimento ou até mesmo pela pouca quantidade de combustível existente. A água existente no combustível teria levado ao mau funcionamento do motor na decolagem."

Possibilidade de sobrevivência

Independente das causas que levaram à falha do motor, conforme o relatório, o Cenipa afirma que o acidente poderia ter sido adequadamente administrado pelo piloto. "A aeronave caiu em um campo arado, com amplos setores livres de obstáculos que permitiriam um pouso forçado, senão sem danos à aeronave, mas com elevada possibilidade de sobrevivência."
O relatório diz que "as características do acidente apontam para um gerenciamento inadequado da falha do motor. Os indícios são de que o piloto voltou a sua atenção para a identificação ou correção da pane, quando a situação exigia concentração no planeio para o pouso forçado. Dessa forma, o piloto perdeu o controle da aeronave que colidiu contra o solo em atitude muito picada (nariz muito baixo), ou seja, toda a energia foi absorvida em poucos metros até a parada", momento em que a aeronave explodiu. "O setor à esquerda do eixo de decolagem, local de impacto da aeronave contra o solo, era um campo arado, livre de obstáculos. Portanto, caso o piloto tivesse baixado o nariz da aeronave e logo após a falha do motor, haveria condições de planar e realizar um pouso forçado com elevada probabilidade de sucesso."
Por fim, no documento, o órgão aeronáutico pede que o relatório seja enviado às escolas de aviação, aeroclubes e empresas operadoras de aeronaves para disseminar o conhecimento sobre as tarefas "em emergência críticas, em especial, falha de motor logo após a decolagem em aeronave monomotor."

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