Folha de Votorantim
Valdinei Queiroz
Eles também falam sobre a Comissão da
Verdade, que foi criada com o intuito de investigar crimes contra os direitos
humanos
A população, que
esteve presente diretamente e indiretamente durante o regime militar
(1964-1985), enfrentou um País sob o comando das Forças Armadas. Golpe que deu
início em 31 de Março de 1964, com caída do então presidente João Belchior
Marques Goulart (1961 a 1964), mais conhecido como Jango.
A presidente
Dilma Rousseff (PT) instituiu, na semana passada, a Comissão Nacional da
Verdade, que tem o intuito de investigar casos de violações de direitos
humanos. Esta comissão vai trabalhar em conjunto com outras duas já existentes
e que tratam de crimes cometidos durante a ditadura. Trata-se das comissões de
Anistia e a de Mortos e Desaparecidos.
O prefeito
Carlos Augusto Pivetta (PT), que segue a mesma cartilha da presidente,
argumenta que esta comissão tem o viés de apurar e esclarecer os abusos
sofridos pelos cidadãos durante o regime militar. “Além disso, vai averiguar a
situação dos mortos e desaparecidos, fazendo com que as famílias tenham uma
resposta sobre o caso”, diz o prefeito.
De acordo com
Pivetta, a Comissão da Verdade não terá fim de revanchismo. O prefeito
refere-se à Lei de Anistia de 1979, que não indeniza os culpados pelas
violações de direitos humanos. Isto é, as ações não terão cunho jurisdicional
ou punitivo.
Favorável à emancipação, mas contra a
ditadura
“Perdi meu emprego
ao ser candidato a vereador em Votorantim, em 1976, por um partido contrário ao
regime militar”, relata o marceneiro José Carlos de Campos Sobrinho, o Té, que
fazia parte do partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Adepto à
independência do município, porém, contra a ditadura militar, Campos
participava das comissões formadas pelo Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de
Sorocaba e Região, pois trabalhou em várias empresas de tecido em Votorantim.
“Era (ainda sou) uma pessoa ativa na política”, comenta.
Ele brinca que
não deu tempo de comemorar a emancipação de Votorantim que, no ano seguinte,
veio o regime militar. “Ainda estávamos contentes com o desmembramento”,
lamenta o marceneiro.
Segundo Campos,
as pessoas que eram contra o regime militar eram taxadas de comunistas. “Eu era
contra, mas nunca fui comunista”, explica. Mesmo sendo opositor à ditadura,
Campos nunca chegou a apanhar de nenhum militar.
Ele comenta que,
mesmo depois do fim da ditadura, há alguns “vírus” espalhados na política brasileira.
Ele cita como exemplos Paulo Maluf (PP), José Sarney (PMDB) e Antônio Carlos
Peixoto de Magalhães, que faleceu em 2007. “Ele morreu, mas o filho dele
continua com a mesma mentalidade política”, comenta, se referindo a Antônio
Carlos Peixoto de Magalhães Neto (DEM), conhecido como ACM Neto. Todos esses
políticos, que ele comentou, eram da Arena (Aliança Renovadora Nacional). Ele
relata que a ditadura só foi terminar mesmo, de fato, com a vitória de Fernando
Henrique Cardoso (PSDB) nas eleições de 1993, dizendo que FHC não havia nenhuma
ligação com a Arena e a ditadura. “Ele deu um passo enorme na democracia
brasileira”, comenta, dizendo que o presidente posterior a ele deu um salto
ainda maior.
Em relação à
Comissão da Verdade, Campos acha que não há como apurar os ditadores, sem
julgá-los. “O relatório vai mostrar que X cometeu crime. A população vai querer
que a justiça faça algo, mesmo a comissão não fazendo nada”, argumenta.
Campos toca no
assunto de duas pessoas importantes durante o regime militar no município, o
ex-vereador José Carlos de Oliveira, o Luizão, que foi contra a emancipação de
Votorantim, e o ex-deputado estadual Juvenal de Campos. “Foram dois políticos,
com raízes votorantinenses, atuantes durante a ditadura militar”, destaca.
O vereador
Lazaro Alberto de Almeida (PMDB), o Labrego, recorda que, após a primeira
eleição municipal, da qual participou, os militares vieram questioná-lo em
relação ao número alto de votos que recebeu, perguntando se ele era comunista.
“Nunca fui de esquerda, apenas tinha amizade com todos da cidade, por isso
faturei vários eleitores”, comenta. Labrego, durante seu mandato como
parlamentar, teve que ir semanalmente ao Departamento de Ordem Política e
Social (DOPS), um órgão responsável por controlar e reprimir movimentos
políticos e sociais contrários ao regime militar. “A grande maioria das vezes
que ia, os militares questionavam sempre o mesmo assunto: ‘você é comunista?’”,
comenta.
No plenário, os
militares ordenavam os políticos do MDB a ficarem calados durante a sessão.
“Por isso que nem peço mais a palavra na Câmara atualmente. Peguei trauma da
época”, lastima Labrego.
Labrego relata que, antes da primeira eleição
municipal, o partido o colocou na cédula de votação, sem sua autorização.
“Tentei ir ao Fórum para retirar minha candidatura, mas não consegui”,
relembra. E completa: “como fui obrigado a ser vereador, agora quem me tira
daqui é o povo.”
Comissão da
(meia) verdade
A favor do golpe
de 1964, o advogado e jornalista Roque Dias Prestes recorda que foi necessário
instalar a ditadura e retirar Jango do poder. “Ele queria implantar o regime
totalitário comunista”, conta, dizendo que ele não respeitou a ordem
constitucional do País.
Segundo Roque
Dias, com receio de Jango fixar a ideologia de esquerda na sociedade, foi
preciso as Forças Armadas intervir para que isso não ocorresse. “Tínhamos que
frear o comunismo e restabelecer a democracia”, afirma o advogado.
Durante a
ditadura militar, o jornalista vê com bons olhos o período. “Não havia
mensalão, dinheiro na cueca, corrupção, empreiteira ficando rica do dia para a
noite”, diz. “Os políticos tinham mais responsabilidade, serviam mais o povo”,
emenda.
Engajado na
política, Roque Dias tentou ser prefeito de Votorantim, em 1972, em uma das
três sublegendas da Arena que existiam na época, mas acabou perdendo. Quatro
anos depois se candidatou a vereador, outra vez sem êxito. Em outra eleição,
agora com o PDT (Partido Democrático Trabalhista), também não conseguiu se
eleger e cuidar da criação das leis do município.
Quanto à
Comissão da Verdade, o jornalista comenta que trata-se de uma comissão de “meia
verdade”. Para ele, as pessoas que estão envolvidas irão apurar apenas os
crimes cometidos pelos militares. “Em uma guerra, há dois lados”, reflete. E
ainda argumenta, dizendo que “tanto os militares quantos os esquerdistas
mataram inocentes.”
Um exemplo, como
conta Roque Dias, foi a morte do Capitão PM Alberto Mendes Junior. Ele comenta
que, em 1970, o PM foi assassinado por um Tribunal Revolucionário, que era contra
todos os atos do regime militar. Meses depois, os militares prenderam o
culpado.
31 de Março
Após 27 anos sem
o regime militar, Votorantim ainda conta com resquício da época. Antes de ser
nomeada como avenida 31 de Março, a principal via do município era chamada de
Rua do Comércio. Em 1970, o prefeito da época, Luiz do Patrocino Fernandes
(MDB), juntamente com os vereadores do mesmo partido, foi até São Paulo para
conversar com representantes do DER (Departamento de Estradas de Rodagem), para
municipalizar um trecho da SP-079 e, também, para duplicar a avenida. Com o
aval favorável do DER, o prefeito levou um projeto de lei para a Câmara colocar
em votação, visando a reforma da via. O Legislativo, que tinha como maioria o
partido Arena, não quis aprovar, alegando que o prefeito era da oposição. Mesmo
assim, Luiz do Patrocino enfrentou os militares e começou a duplicação da
avenida. No ano seguinte, depois da obra pronta, ele levou novamente à Câmara o
projeto de lei para que fosse aprovado. “Como já havia sido feita a construção,
os militares queriam que o nome da avenida fosse em homenagem ao golpe
militar”, comenta o parlamentar Labrego. Vereador há 11 mandatos, Labrego diz
que o nome 31 de Março foi rejeitado pelo prefeito da época. A segunda opção foi
pôr o nome de Marechal Humberto de Alencar “Castelo Branco”, primeiro
presidente durante o regime militar: outra alternativa recusada por Luiz do
Patrocino. Foi, então, depois de várias reuniões com militares que o prefeito
aceitou de ser chamada de avenida 31 de Março. Posteriormente, a nova
denominação foi encaminhada a Casa de Leis para que fosse votada. O presidente
da Câmara na época, o vereador Lazaro Antunes de Oliveira (Arena), teve que dar
o voto de minerva, pois a votação havia empatado. Com a decisão de Oliveira
favorável, a avenida foi nomeada como sendo 31 de Março.
Em pesquisa no
arquivo da Câmara Municipal de Votorantim, foi constatado que, em 1971, Luiz do
Patrocino Fernandes enviou um projeto para alterar o nome da principal avenida
do município, a 31 de Março. Só que, antes de 1971, a avenida era chamada de
rua do Comércio. No segundo artigo da lei mostra que, além da nova denominação
da avenida, iria ter os dizeres “Movimento Revolucionário de 1964” embaixo do
nome da via. “Nós enviamos uma foto a São Paulo, mostrando a placa pronta com a
citação. Só que, ao colocar as placas na avenida, foram retirados os dizeres”,
recorda o parlamentar Labrego.
Os
anos foram se passando, Votorantim começou a se reestruturar politicamente e,
principalmente, economicamente. Mesmo com esse progresso, alguns moradores,
filhos que viram seus pais vivenciando a ditadura militar, convivem diariamente
com o nome 31 de Março na principal avenida do município. O jornalista e
radialista Thomaz Martins, que foi uma das pessoas responsáveis pelo projeto de
construção da avenida, comenta que houve vereadores querendo mudar o nome da
via várias vezes. “Cada comerciante vai ter que ir ao cartório e modificar o
endereço do seu estabelecimento. Não é viável”, gesticula. Porém, o vereador
Labrego sugere uma solução: “se todos os comerciantes e moradores se juntarem,
pode haver a troca de nome da avenida. Só depende deles.” Os dois dão até
sugestões: Avenida da Emancipação; Avenida dos Vanguardeiros; Avenida 7 de
Março (primeira eleição municipal; ou Avenida 1° de Dezembro (data do
plebiscito, em que desmembrou Votorantim
de Sorocaba).
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