Mães alegam que sofreram negligência médica em hospitais públicos de Sorocaba e de Votorantim
“Era para o meu bebezinho sair do hospital no meu colo, mas saiu em
um caixão”, conta a autônoma Fernanda Bernardo Fernandes, 35 anos, que
perdeu o filho, Lucas Emanuel, depois de 26 horas em trabalho de parto,
na Santa Casa de Misericórdia de Sorocaba, no dia 16.
Ela
e o marido, o autônomo Marciano Soares da Silva, 35, dizem que o filho
era planejado. “Fizemos tratamento para engravidar durante quatro anos.
Foi uma bênção de Deus quando tivemos a notícia de que o resultado da
gravidez deu positivo”, lembra Fernanda.
Os
nove meses de gestação foram tranquilos. Tanto mãe quanto filho estavam
saudáveis. “Eu fiz uma dieta balanceada para receber meu filho.”
Fernanda
fez o pré-natal na UBS (Unidade Básica de Saúde) da Vila Hortência,
zona leste. “Nunca tive nenhum problema. Consegui fazer até o ultrassom
3D que mostrou que ele [a criança] estava bem.”
As
primeiras dores apareceram no dia 14 e a autônoma seguiu para o
hospital. “Os enfermeiros me dispensaram, pois ainda não era a hora.
Então, segui para a última consulta do pré-natal no posto de saúde. Mais
uma vez a médica afirmou que estava tudo bem para o parto”, acrescenta
Fernanda.
Por volta das 19h, a mãe foi
internada pelo SUS (Sistema Único de Saúde) na Santa Casa de
Misericórdia de Sorocaba. As dores aumentaram e ela estava com quatro
dedos de dilatação.
Fernanda já é mãe de
Bárbara, 17, cujo parto foi normal. “Eu queria parto normal para o meu
segundo filho, mas chegou uma hora que percebi que meu corpo não
aguentava mais. Estava vomitando e quase desfalecida”, afirma.
Na
manhã do dia seguinte, na troca de plantão médico, Fernanda implorou à
equipe pela cesariana. “O obstetra não foi vê-la. Foi atender outro
caso. Queria levar a minha irmã dali ou pagar um médico de fora para
fazer o parto”, diz a irmã de Fernanda, a funcionária pública Marlene
Fernandes, 57.
Após 26 horas passando muita
dor, às 11h do dia 15, nasceu Lucas Emanuel, com 3,60 quilos, de
cesariana. “Não mostraram meu filho. Apenas me disseram que ele nasceu
cansadinho e foi para UTI [Unidade de Terapia Intensiva] Neonatal. Mais
tarde contaram que o coração e o pulmão dele estavam comprometidos e
deram a notícia que ele não resistiu”, conta. “As enfermeiras disseram
que ele havia defecado dentro de mim. Acho que foi negligência médica. O
parto passou da hora e agora quero justiça. Nenhuma mãe merece perder
um filho”, desabafa Fernanda, que está a base de calmantes desde a alta
hospitalar.
em votorantim / A dona de
casa Regiane Gomes Ricardo Soares, 24, viveu um caso semelhante ao de
Fernanda. Seu filho também morreu logo após o parto, em 14 de janeiro.
Ela
já estava com 37 semanas de gestação e as dores apareceram. Regiane
foi internada pelo SUS da Santa Casa de Misericórdia de Votorantim, no
dia 10 do mês passado. “Como eu não tinha dilatação, a equipe médica me
disse que a dor era devido à cólica renal.”
Mesmo
com medicamento, Regiane ainda sentia muita dor e pediu para que
fizesse a cesariana. “Disseram que eu estava com 35 semanas e que meu
filho nasceria prematuro, mas no meu pré-natal era o contrário.”
Após
o médico ouvir o coração do bebê, que estava normal, percebeu que a mãe
estava sem líquido, então providenciou a cesariana. Cauã nasceu às
13h05, no dia 14. “Disseram que ele tinha problemas no coração e
respiratório. Ficou internado, mas não conseguimos vaga na UTI Neonatal e
ele morreu. A tal cólica renal passou, assim como a hora do parto e eu
perdi meu filho.”
Apoio
O
vereador Pastor Apolo (PSB) está apurando o caso da paciente Fernanda
Fernandes. Ele protocolou um requerimento solicitando ao Executivo
informações sobre as medidas que estão sendo tomadas pela Secretaria de
Saúde no referido caso.
102
leitos foram implantados na UTI Neonatal no SUS do Estado
Leitos
No
total, o Estado conta com 4,8 mil leitos de UTI, o que representa 6% do
total de leitos, estando dentro dos parâmetros do Ministério da Saúde,
que preconiza mínimo de 4%.
Hospitais falam sobre os casos
Representantes
de unidades de saúde garantem que deram atendimento adequado às
gestantes e que vão continuar avaliando os ocorridos
O BOM DIA entrou em contato com representantes dos hospitais denunciados para que esclarecessem os fatos.
A
diretoria da Santa Casa de Sorocaba afirma que está realizando
procedimentos internos de avaliação do ocorrido com Fernanda Bernardo
Fernandes.
Pelo fato de o caso estar sendo
avaliado e para evitar conclusões precipitadas, o hospital sorocabano
preferiu não fornecer, neste momento, nenhum dado da análise em
andamento. “Agradecemos a compreensão por aguardar a finalização interna
dos procedimentos”, consta num trecho da nota enviada ao BOM DIA.
votorantim / Já
o diretor técnico da Santa Casa de Votorantim, Edmond Khaled, disse que
a cesariana de Regiane ocorreu sem problemas, porém foi verificado que
o bebê tinha patologia pulmonar. Uma equipe formada por 16
funcionários da área da saúde estava envolvida no caso. “Tentamos
interná-lo na UTI Neonatal, mas não havia vagas. Até o prefeito de
Votorantim, Erinaldo Alves da Silva, procurou vagas em hospitais
particulares, disposto a pagar, mas não havia leito desocupado,
infelizmente”, explica o médico.
Central é responsável pela busca de vagas na UTI
A
Secretaria do Estado de Saúde se posicionou sobre o caso do filho da
dona de casa Regiane Gomes Ricardo Soares. Em nota, explica que a Cross
(Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde) a partir do
momento que recebeu a solicitação de regulação de vaga de UTI Neonatal
para o recém-nascido da paciente iniciou a busca em toda a rede da
região e por todo o Estado. “É importante esclarecer que não é possível
estabelecer uma relação direta entre o óbito e a espera por leitos de
terapia intensiva, uma vez que se tratava de paciente com quadro de
saúde extremamente grave”, diz a nota.
Ainda
de acordo com a Secretaria de Saúde, que obteve acesso ao prontuário do
paciente, o bebê nasceu prematuramente e apresentando instabilidade da
pressão arterial e insuficiência respiratória, inclusive com suspeita de
cardiopatia.
A Cross inicia a busca de vaga
tão logo é acionada pelos hospitais, buscando leitos na região e pelo
Estado, monitorando os pacientes à distância.
Opinião do especialista
Thyrso Camargo Ayres Filho, ginecologista e obstetra
Parto normal ou cesariana?
O
parto, além de ser fisiológico, é um ato médico. Muito se discute
sobre a decisão de tentar o parto normal ou fazer uma cesariana marcada
eletivamente. Atualmente, os índices de cesáreas no país representam 45%
dos partos, segundo o Ministério da Saúde. O número está muito além dos
15% recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Na tentativa
de diminuir os índices de cesarianas, diversas propostas vêm sendo
discutidas entre médicos, governo e sociedade e algumas estão sendo
implantadas na tentativa de aumentar os índices de parto normal.
A
obstetrícia (especialidade médica que cuida da assistência ao parto)
determina algumas situações em que o médico, obrigatoriamente, tem de
optar pela cesárea. Embora em alguns casos esta decisão possa ser
tomada com antecedência, na grande maioria dos casos ela só pode ser
tomada com segurança durante o trabalho de parto. A posição do bebê, a
falta de evolução adequada na dilatação do colo uterino, a desproporção
entre o tamanho do bebê e a pélvis materna ou ainda o sofrimento fetal
são algumas dessas situações em que o médico decide pela realização de
uma cirurgia cesariana para o nascimento do bebê.
Portanto,
cabe ao médico decidir, orientar e adiantar para a gestante todas as
possíveis complicações e mudanças de planos que podem porventura surgir
até o nascimento.
A cesariana é uma cirurgia,
portan3to não é isenta de riscos. Também exige maior tempo de
internação e resulta em pós-operatório que requer mais cuidados nos dias
ou semanas seguintes. Já no parto normal, além dos benefícios para a
mãe, que não passa por uma cirurgia, há uma série de vantagens ao bebê,
como expansão pulmonar mais natural e menor risco de desconforto
respiratório.
A gestante, futura mamãe, parece
não ter realmente pleno conhecimento desse processo e suas possíveis
complicações e, portanto, sem condições de tomar tal decisão sozinha. A
palavra do médico, sua experiência cotidiana, a bagagem de conhecimento
científico são extremamente importante nesse momento.
Assim,
é muito importante um bom relacionamento médico e gestante para que
seja escolhida a melhor conduta sempre buscando o bem-estar da mãe e as
melhores condições possíveis ao bebê ao nascer.
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