sábado, 23 de fevereiro de 2013

Vidas que se acabam depois do parto

Rede Bom Dia
Tatiane Patron

Mães alegam que sofreram negligência médica em hospitais públicos de Sorocaba e de Votorantim 

“Era para o meu bebezinho sair do hospital no meu colo, mas saiu em um caixão”, conta a autônoma Fernanda Bernardo Fernandes, 35 anos, que perdeu o filho, Lucas Emanuel, depois de 26 horas em trabalho de parto, na Santa Casa de Misericórdia de Sorocaba, no  dia 16.

Ela e o marido, o autônomo Marciano Soares da Silva, 35, dizem  que o filho era planejado. “Fizemos tratamento para engravidar durante quatro anos. Foi uma bênção de Deus quando tivemos a notícia de que o resultado da gravidez deu positivo”, lembra Fernanda.

Os nove meses de gestação foram tranquilos. Tanto mãe quanto filho estavam saudáveis. “Eu fiz uma dieta balanceada para receber meu filho.”

Fernanda fez o  pré-natal na UBS (Unidade Básica de Saúde) da Vila Hortência, zona leste. “Nunca tive nenhum problema. Consegui fazer até o ultrassom 3D que mostrou que ele [a criança]  estava bem.”

As primeiras dores apareceram  no dia 14 e  a autônoma seguiu para o hospital. “Os enfermeiros me dispensaram, pois ainda não era a hora. Então, segui para a última consulta do pré-natal no posto de saúde. Mais uma vez a médica afirmou que estava tudo bem para o parto”, acrescenta Fernanda.

Por volta das 19h, a mãe foi internada pelo SUS (Sistema Único de Saúde) na Santa Casa de Misericórdia de Sorocaba. As dores aumentaram e ela estava com quatro dedos de dilatação. 

Fernanda já é mãe de Bárbara, 17, cujo parto foi normal. “Eu queria parto normal para o meu segundo filho, mas chegou uma hora que percebi que meu corpo não aguentava mais. Estava vomitando e quase desfalecida”, afirma.

Na manhã do dia seguinte, na troca de plantão médico, Fernanda implorou à equipe pela cesariana. “O obstetra não foi vê-la. Foi atender outro caso. Queria levar a minha irmã dali ou pagar um médico de fora para fazer o parto”, diz a irmã de Fernanda, a funcionária pública Marlene Fernandes, 57.

Após 26 horas passando muita dor, às 11h do dia 15, nasceu Lucas Emanuel, com 3,60 quilos, de cesariana. “Não mostraram meu filho. Apenas me disseram que ele nasceu cansadinho e foi para UTI [Unidade de Terapia Intensiva] Neonatal. Mais tarde contaram que o coração e o pulmão dele estavam comprometidos e deram a notícia que ele não resistiu”, conta. “As enfermeiras disseram que ele havia defecado dentro de mim. Acho que foi negligência médica. O parto passou da hora e agora quero justiça. Nenhuma mãe merece  perder um filho”, desabafa Fernanda, que está a base de calmantes desde a alta hospitalar.

em votorantim /  A dona de casa Regiane Gomes Ricardo Soares, 24, viveu um caso semelhante ao de Fernanda. Seu filho também morreu logo após o parto, em 14 de janeiro. 

Ela  já estava com 37 semanas de gestação e as dores apareceram. Regiane  foi internada pelo SUS da Santa Casa de Misericórdia de Votorantim, no dia 10 do mês passado. “Como eu não tinha dilatação, a equipe médica me disse que a dor era devido à cólica renal.”

Mesmo com medicamento, Regiane ainda sentia muita dor e pediu para que fizesse a cesariana. “Disseram que eu estava com 35 semanas e que meu filho nasceria prematuro, mas no meu pré-natal era o contrário.”

Após o médico ouvir o coração do bebê, que estava normal, percebeu que a mãe estava sem líquido, então providenciou a cesariana. Cauã nasceu às 13h05, no dia 14. “Disseram que ele tinha problemas no coração e respiratório. Ficou internado, mas não conseguimos vaga na UTI Neonatal e ele morreu. A tal cólica renal passou, assim como a hora do parto e eu perdi meu filho.”

Apoio
O vereador Pastor Apolo (PSB) está apurando o caso da paciente Fernanda Fernandes. Ele protocolou um requerimento  solicitando ao Executivo informações sobre as medidas que estão sendo tomadas pela Secretaria de Saúde no referido caso. 

102 
leitos foram implantados na UTI Neonatal no SUS do Estado

Leitos
No total, o Estado conta com 4,8 mil leitos de UTI, o que representa 6% do total de leitos, estando dentro dos parâmetros do Ministério da Saúde, que preconiza mínimo de 4%.

Hospitais falam sobre os casos

Representantes de unidades de saúde garantem que deram atendimento adequado às gestantes e que vão continuar avaliando os ocorridos

O BOM DIA entrou em contato com representantes dos hospitais denunciados  para que esclarecessem os fatos.

A diretoria da Santa Casa de Sorocaba afirma que está realizando  procedimentos internos de avaliação do ocorrido com Fernanda Bernardo Fernandes.

Pelo fato de o caso estar sendo avaliado e para evitar conclusões precipitadas, o hospital sorocabano preferiu não fornecer, neste momento, nenhum  dado da análise em andamento. “Agradecemos a compreensão por aguardar a finalização interna dos procedimentos”, consta num trecho da nota enviada ao BOM DIA.

votorantim  / Já o diretor técnico da Santa Casa de Votorantim, Edmond Khaled, disse que a cesariana de  Regiane ocorreu sem problemas, porém foi verificado que o bebê tinha patologia pulmonar.  Uma equipe formada por 16 funcionários da área da saúde estava envolvida no caso. “Tentamos interná-lo na UTI Neonatal, mas não havia vagas. Até o prefeito de Votorantim, Erinaldo Alves da Silva, procurou vagas em hospitais particulares, disposto a pagar, mas não havia leito desocupado, infelizmente”, explica o médico.

Central é responsável pela busca de vagas na UTI

A Secretaria do Estado de Saúde se posicionou sobre o caso do filho da dona de casa Regiane Gomes Ricardo Soares. Em nota, explica que a Cross (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde) a partir do momento que recebeu a solicitação de regulação de vaga de UTI Neonatal para o recém-nascido da paciente iniciou a busca em toda a rede da região e por todo o Estado. “É importante esclarecer que não é possível estabelecer uma relação direta entre o óbito e a espera por leitos de terapia intensiva, uma vez que se tratava de paciente com quadro de saúde extremamente grave”, diz a nota. 

Ainda de acordo com a Secretaria de Saúde, que obteve acesso ao prontuário do paciente, o bebê nasceu prematuramente e apresentando instabilidade da pressão arterial e insuficiência respiratória, inclusive com suspeita de cardiopatia.

A Cross inicia a busca de vaga tão logo é acionada pelos hospitais, buscando leitos na região e pelo  Estado,  monitorando os pacientes à distância.

Opinião do especialista
Thyrso Camargo Ayres Filho, ginecologista e obstetra

Parto normal ou cesariana? 

O parto, além de ser  fisiológico, é um ato médico. Muito se discute sobre a decisão de tentar o parto normal ou fazer uma cesariana marcada eletivamente. Atualmente, os índices de cesáreas no país representam 45% dos partos, segundo o Ministério da Saúde. O número está muito além dos 15% recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Na tentativa de diminuir os índices de cesarianas, diversas propostas vêm sendo discutidas entre médicos, governo e sociedade e algumas estão sendo implantadas na tentativa de aumentar os índices de parto normal. 

A obstetrícia (especialidade médica que cuida da assistência ao parto) determina algumas situações em que o médico, obrigatoriamente, tem de  optar pela cesárea. Embora em alguns casos esta decisão possa ser tomada com antecedência, na grande maioria dos casos ela só pode ser tomada com segurança durante o trabalho de parto. A posição do bebê, a falta de evolução adequada na dilatação do colo uterino, a desproporção entre o tamanho do bebê e a pélvis materna ou ainda o sofrimento fetal são algumas dessas situações em que o médico decide pela  realização de uma cirurgia cesariana para o nascimento  do bebê.

Portanto, cabe ao médico decidir, orientar e adiantar para a gestante todas as possíveis complicações e mudanças de planos que podem porventura surgir até o nascimento.

A cesariana é uma cirurgia, portan3to  não é  isenta de riscos. Também exige maior tempo de internação e resulta em pós-operatório que requer mais cuidados nos dias ou semanas seguintes. Já no parto normal, além dos benefícios para a mãe, que não passa por uma cirurgia, há uma série de vantagens ao bebê, como expansão pulmonar mais natural e menor risco de desconforto respiratório.

A gestante, futura mamãe, parece não ter realmente pleno conhecimento desse processo e suas possíveis complicações e, portanto, sem  condições de tomar tal decisão sozinha. A palavra do médico, sua experiência cotidiana, a bagagem de conhecimento científico  são extremamente importante nesse momento.

Assim, é muito importante um bom relacionamento médico e gestante para que seja escolhida a melhor conduta sempre buscando o bem-estar da mãe e as melhores condições possíveis ao bebê ao nascer.   


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