Jornal Cruzeiro do Sul
Daniela Jacinto
Daniela Jacinto
Estado de São Paulo tem apenas seis comunidades quilombolas tituladas
Na região de Sorocaba, nenhuma conseguiu ainda a titulação, nem mesmo o Cafundó, que já tem o reconhecimento
João Fernandes, da comunidade Os Camargo - Aldo V. Silva
Dados da Fundação Instituto de Terras do
Estado de São Paulo (Itesp) e do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra) divulgam que o Estado possui 79 comunidades
apontadas como remanescentes de quilombos, incluindo as relacionadas
pela Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do
Ribeira (Eaacone), entidade ligada à diocese de Eldorado. No entanto,
até o momento 28 foram reconhecidas como remanescentes e apenas seis
estão tituladas. Desde 2007, há sete anos, a situação permanece a mesma.
Na região de Sorocaba, nenhuma das sete comunidades conseguiu a
titulação ainda. A que está em processo mais avançado é a do Cafundó, em
Salto de Pirapora, que obteve o reconhecimento, porém a titulação ainda
não saiu. A titulação garante a propriedade das terras, o acesso às
políticas públicas e demais direitos.
Em Sorocaba e Votorantim, a família do escravo alforriado José Joaquim de Camargo, do quilombo Os Camargo, já teve iniciado o relatório antropológico e o levantamento para fazer as planta do território, mas a falta de recursos financeiros e de pessoal tem causado a demora, conforme informou a antropóloga Paula Elaine Covo, analista em reforma e desenvolvimento agrário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na semana passada.
A família Os Camargo reivindica a propriedade de parte de terras em Sorocaba, Votorantim, Salto de Pirapora, Piedade, Sarapuí e Araçoiaba da Serra, num total de 84 mil alqueires de extensão. Os descendentes possuem uma escritura datada de 2 de novembro de 1874 comprovando que o escravo alforriado José Joaquim de Camargo comprou aquelas terras do capitão Jesuíno de Cerqueira Cezar ao preço de 400 mil réis. A escritura descreve a área adquirida, porém o faz por córregos e cachoeiras.
As lutas pelas terras são feitas de forma organizada e as responsabilidades divididas em três associações: a de Votorantim, Sorocaba e Salto de Pirapora. Eles sabem que a maioria das terras hoje estão ocupadas e que será impossível reavê-las, mas querem o reconhecimento histórico e as respectivas indenizações.
Os Camargo estão enfrentando a mesma dificuldade das outras comunidades: a morosidade do processo. Eles contam que primeiro a documentação ficou parada durante oito anos no Itesp. Quando o governo passou a responsabilidade pelo processo de reconhecimento das comunidades quilombolas para o Incra, em 2003, Os Camargo esperavam ter o problema solucionado de forma mais rápida, no entanto ainda aguardam a regularização de sua situação. No quadro que mostra as comunidades tituladas, as seis titulações têm como órgão expedidor o Itesp. Apenas uma titulação no Estado de São Paulo foi expedida pelo Incra, é aliás uma segunda titulação, ou seja, o processo todo já estava pronto.
Região sudeste está esquecida
As comunidades quilombolas reclamam que São Paulo é o Estado com menor número de titulações, com processos parados há anos. Para eles, a região sudeste está esquecida. Esse desabafo foi feito durante uma reunião realizada na terça-feira passada, dia 1º de abril, na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e que contou com a presença de membros do Incra, da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), representantes do Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, da Subcomissão de Quilombos do Estado de São Paulo, vinculada à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado, e principalmente da procuradora regional da república Maria Luiza Grabner.
Edson Correa e João Fernandes, da comunidade Os Camargo, participaram da reunião e contam que gostaram muito de ouvir o depoimento da procuradora, que acompanha a luta quilombola há mais de dez anos. "Ela disse que via com muita apreensão as mesas que estão sendo montadas para discutir as questões dos quilombos porque temia que acontecesse aqui o mesmo que presenciou em Brasília", disse João.
Em uma visita a Brasília, a procuradora se surpreendeu ao encontrar processos parados, fazendo um caminho burocrático que não estava seguindo as normas do Incra, mas sim rodando em outras mesas. "A procuradora disse que estava acompanhando essas questões em nível nacional e que ao ver o que estava acontecendo em Brasília, o Ministério Público entrou com ações para agilizar documentos do Incra que estavam parados", afirma João.
Edson, que também estava presente, lembra que a procuradora chegou a citar que a verba do Incra está diminuindo ano a ano porque como o serviço está parado, para o governo isso mostraria que não tem demanda, então consequentemente não está precisando de verba. "Ela também disse que enquanto isso essas pessoas estão precisando de escola, saúde, e então a procuradora sugeriu ao Incra que o órgão teria de defender a posse quilombola antes de sair o RTID [Relatório Técnico de Identificação e Delimitação] pra gente já ir conseguindo esses direitos".
Apesar da demora nos processos quilombolas em todo o Brasil, a procuradora disse durante a reunião que reconhece que em São Paulo a situação está mais morosa. "A doutora Maria Luiza disse que o Incra está resolvendo as questões mais fáceis primeiro. Ela disse que como o órgão é cobrado e precisa dar uma resposta, eles vão titulando as áreas mais fáceis e deixando as outras para trás", complementa Edson.
A procuradora, ainda segundo Edson, deixou bem claro a todos os que estavam presentes que essa seria uma "visão dantesca de uma política que está afundando" e que não está sendo feito nada para poder resgatá-la. "Nós sentimos que ela está com a gente. Ela ainda questionou a mesa de debates, perguntou se essa mesa regional iria andar, sendo que nacionalmente as coisas não estão funcionando".
Edson e João recordam terem ouvido a procuradora falar que o quilombo do Carmo, em São Roque seria uma das prioridades e que ela iria acompanhar. "Ela ainda se colocou à disposição pra ajudar o Incra", disseram, esperançosos em também ter sua situação resolvida.
A reportagem tentou entrevista com a procuradora, mas conforme sua assessoria, Maria Luiza estava em reunião.
Em Sorocaba e Votorantim, a família do escravo alforriado José Joaquim de Camargo, do quilombo Os Camargo, já teve iniciado o relatório antropológico e o levantamento para fazer as planta do território, mas a falta de recursos financeiros e de pessoal tem causado a demora, conforme informou a antropóloga Paula Elaine Covo, analista em reforma e desenvolvimento agrário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na semana passada.
A família Os Camargo reivindica a propriedade de parte de terras em Sorocaba, Votorantim, Salto de Pirapora, Piedade, Sarapuí e Araçoiaba da Serra, num total de 84 mil alqueires de extensão. Os descendentes possuem uma escritura datada de 2 de novembro de 1874 comprovando que o escravo alforriado José Joaquim de Camargo comprou aquelas terras do capitão Jesuíno de Cerqueira Cezar ao preço de 400 mil réis. A escritura descreve a área adquirida, porém o faz por córregos e cachoeiras.
As lutas pelas terras são feitas de forma organizada e as responsabilidades divididas em três associações: a de Votorantim, Sorocaba e Salto de Pirapora. Eles sabem que a maioria das terras hoje estão ocupadas e que será impossível reavê-las, mas querem o reconhecimento histórico e as respectivas indenizações.
Os Camargo estão enfrentando a mesma dificuldade das outras comunidades: a morosidade do processo. Eles contam que primeiro a documentação ficou parada durante oito anos no Itesp. Quando o governo passou a responsabilidade pelo processo de reconhecimento das comunidades quilombolas para o Incra, em 2003, Os Camargo esperavam ter o problema solucionado de forma mais rápida, no entanto ainda aguardam a regularização de sua situação. No quadro que mostra as comunidades tituladas, as seis titulações têm como órgão expedidor o Itesp. Apenas uma titulação no Estado de São Paulo foi expedida pelo Incra, é aliás uma segunda titulação, ou seja, o processo todo já estava pronto.
Região sudeste está esquecida
As comunidades quilombolas reclamam que São Paulo é o Estado com menor número de titulações, com processos parados há anos. Para eles, a região sudeste está esquecida. Esse desabafo foi feito durante uma reunião realizada na terça-feira passada, dia 1º de abril, na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e que contou com a presença de membros do Incra, da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), representantes do Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, da Subcomissão de Quilombos do Estado de São Paulo, vinculada à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado, e principalmente da procuradora regional da república Maria Luiza Grabner.
Edson Correa e João Fernandes, da comunidade Os Camargo, participaram da reunião e contam que gostaram muito de ouvir o depoimento da procuradora, que acompanha a luta quilombola há mais de dez anos. "Ela disse que via com muita apreensão as mesas que estão sendo montadas para discutir as questões dos quilombos porque temia que acontecesse aqui o mesmo que presenciou em Brasília", disse João.
Em uma visita a Brasília, a procuradora se surpreendeu ao encontrar processos parados, fazendo um caminho burocrático que não estava seguindo as normas do Incra, mas sim rodando em outras mesas. "A procuradora disse que estava acompanhando essas questões em nível nacional e que ao ver o que estava acontecendo em Brasília, o Ministério Público entrou com ações para agilizar documentos do Incra que estavam parados", afirma João.
Edson, que também estava presente, lembra que a procuradora chegou a citar que a verba do Incra está diminuindo ano a ano porque como o serviço está parado, para o governo isso mostraria que não tem demanda, então consequentemente não está precisando de verba. "Ela também disse que enquanto isso essas pessoas estão precisando de escola, saúde, e então a procuradora sugeriu ao Incra que o órgão teria de defender a posse quilombola antes de sair o RTID [Relatório Técnico de Identificação e Delimitação] pra gente já ir conseguindo esses direitos".
Apesar da demora nos processos quilombolas em todo o Brasil, a procuradora disse durante a reunião que reconhece que em São Paulo a situação está mais morosa. "A doutora Maria Luiza disse que o Incra está resolvendo as questões mais fáceis primeiro. Ela disse que como o órgão é cobrado e precisa dar uma resposta, eles vão titulando as áreas mais fáceis e deixando as outras para trás", complementa Edson.
A procuradora, ainda segundo Edson, deixou bem claro a todos os que estavam presentes que essa seria uma "visão dantesca de uma política que está afundando" e que não está sendo feito nada para poder resgatá-la. "Nós sentimos que ela está com a gente. Ela ainda questionou a mesa de debates, perguntou se essa mesa regional iria andar, sendo que nacionalmente as coisas não estão funcionando".
Edson e João recordam terem ouvido a procuradora falar que o quilombo do Carmo, em São Roque seria uma das prioridades e que ela iria acompanhar. "Ela ainda se colocou à disposição pra ajudar o Incra", disseram, esperançosos em também ter sua situação resolvida.
A reportagem tentou entrevista com a procuradora, mas conforme sua assessoria, Maria Luiza estava em reunião.
Capitão do mato é visto até hoje
Gisele Navarro, 38 anos, conta que já viu o capitão do mato - Aldo V. Silva
Quem mora no bairro Cubatão, em Votorantim, está acostumado a ouvir relatos dos vizinhos sobre um homem de capa preta que é visto rondando a região durante a noite. Dizem que é a alma do capitão do mato, que vaga até hoje por conta dos maus tratos aos negros. Mesmo quem mora no bairro há menos tempo que os mais antigos, já presenciou algo que pode ser considerado uma situação um tanto quanto inusitada. Gisele Navarro, 38 anos, conta que mora há 5 anos no local e que duvidada das histórias que ouvia. "Um vizinho, de idade avançada, costumava dizer que sempre via o homem com chapelão e capa preta sentado na esquina. E dizia que aquele era o capitão do mato. Um dia, meu cachorro estava latindo muito e achei estranho porque não tinha ninguém, quando me aproximei vi um homem alto, com chapéu largo e capa preta, que ficava ainda abrindo os braços e balançando a capa como se provocasse o cachorro", relata.
Ali no bairro os moradores ainda ouvem o choro de uma mulher e de uma criança, acompanhado de uma canção de ninar, mas sobre isso eles não têm nenhuma referência, não sabem dizer se seria uma escrava, sinhá ou camponesa. O que os moradores sabem é que a igreja da Comunidade Sagrado Coração de Jesus foi construída por mão de obra escrava e que atrás da igreja era cemitério. "Os meus vizinhos também dizem que ouvem até hoje o sino da igreja tocar, mesmo após ter sido roubado há muito tempo. O sino eu não escuto", diz Gisele, que mora em frente à pequena igreja.
ROTA DOS NEGROS -Túnel da Chácara dos Padres era usado para fuga
Edson Correa, mostra onde estava o túnel - Aldo V. Silva
Um túnel em Votorantim foi muito
usado pelos negros fugitivos para não serem capturados pelo capitão do
mato. Esse túnel ficava na Chácara dos Padres, onde hoje resta apenas o
terreno ao lado do shopping Panorâmico. Edson Correa, tataraneto do
escravo José Joaquim de Camargo, sabe de diversos relatos contados por
seus parentes sobre esse lugar. O principal é que os escravos fugiam e
iam procurar a ajuda dos padres, que os abrigavam lá.
Naquela chácara os negros permaneciam e ajudavam os religiosos na limpeza e serviços gerais. Como o local é alto e dali era possível enxergar toda a cidade, os padres avisavam os negros fugitivos quando o capitão do mato estava a caminho. "E então eles corriam para o túnel, que tinha saída para o rio, próximo à cachoeira dos Guimarães. Infelizmente foi tudo demolido e o túnel aterrado. Até há pouco tempo ainda dava para ver as ruínas, mas agora com essa plantação de milho ficou impossível", lamenta Edson. Logo mais à frente, próximo à Praça de Eventos de Votorantim, era o "cangume", um local onde os escravos realizavam a festa da colheita. Já o local onde hoje é o pátio da Prefeitura de Votorantim era uma senzala. "Hoje não há nem vestígios", diz Edson.
Naquela chácara os negros permaneciam e ajudavam os religiosos na limpeza e serviços gerais. Como o local é alto e dali era possível enxergar toda a cidade, os padres avisavam os negros fugitivos quando o capitão do mato estava a caminho. "E então eles corriam para o túnel, que tinha saída para o rio, próximo à cachoeira dos Guimarães. Infelizmente foi tudo demolido e o túnel aterrado. Até há pouco tempo ainda dava para ver as ruínas, mas agora com essa plantação de milho ficou impossível", lamenta Edson. Logo mais à frente, próximo à Praça de Eventos de Votorantim, era o "cangume", um local onde os escravos realizavam a festa da colheita. Já o local onde hoje é o pátio da Prefeitura de Votorantim era uma senzala. "Hoje não há nem vestígios", diz Edson.
De 31 de Março para José Joaquim de Camargo
Na segunda-feira passada, dia 31
de Março, dia em que se completaram os 50 anos do golpe militar, um
grupo de estudantes encobriu o nome da principal avenida de Votorantim
como forma de protesto contra o que consideram uma homenagem à data.
Também os quilombolas são contra o nome da avenida e diante da proposta
de mudança de nome, defendem que seja dado o de José Joaquim de Camargo,
que seria proprietário da maior parte das terras do município. A
solicitação foi protocolada na Câmara de Votorantim na semana passada.
Das mulheres negras tiraram até o leite
A mulher africana era considerada uma mercadoria - Divulgação/Gabinete de Leitura Sorocabano
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