Jornal Cruzeiro do Sul
Algumas decisões judiciais são tão
insólitas e dissociadas daquilo que o senso comum entende por justiça,
que os juízes deveriam ter por obrigação - se não legal, ao menos moral -
explicá-las e defendê-las olhando nos olhos das vítimas ou de seus
familiares.
Desgraçadamente, porém, o Judiciário é o mais encastelado dos três
poderes. Seus integrantes se manifestam apenas por meio de despachos e
sentenças, falam com a imprensa se e quando querem, e só prestam contas a
seus superiores. O resultado é um distanciamento que se traduz, por
vezes, em incompreensão e revolta - e a decepção crescente dos cidadãos
com as posturas do poder que deveria ser o esteio do Estado Democrático
de Direito, protetor de direitos e deveres, fiador do bem-estar social.
Certamente não faltam, nas filigranas da Lei, explicações para tudo o
que a Justiça decide. Como explicar, porém, para o homem do povo - esse
que não conhece os meandros da legislação, mas compreende o valor de uma
vida - decisões como aquela proferida na semana passada pelos
desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), pela qual o
matador de cinco jovens teve sua pena reduzida em dois terços, de 135
anos para 45 anos de prisão?
O TJ-SP abraçou a tese da defesa, de que Everson Severino da Silva, o
Maninho, cometeu um crime continuado ao atirar mortalmente, por motivo
torpe, em Elvis Aparecido Silva, de 16 anos; Mariane Caren da Silva, de
15; Danielli Miranda Raimundo, 14; Jhosely Lopes dos Santos, 15, e André
Gonçalves Rodrigues, de 21 anos, na noite de 23 de outubro de 2007, em
Votorantim.
Essa aberração jurídica - a chamada continuidade delitiva - está
prevista no artigo 71 do Código Penal. Ela dá margem para que se conclua
que, como os jovens foram executados no mesmo local e circunstâncias, o
segundo, o terceiro, o quarto e o quinto assassinatos foram continuação
do primeiro, não cabendo, portanto, uma pena para cada crime, e sim uma
única pena, referente a um dos crimes (se idênticos) ou ao mais grave
da série (se diferenciados), aumentada de um sexto a dois terços. (O
parágrafo primeiro do art. 71 permite que, nos crimes dolosos e
cometidos com violência, a pena única seja aumentada até o triplo.)
A aplicação desse benefício envolve um julgamento subjetivo para
determinar se houve continuidade ou vários crimes independentes. Como
definir que um crime é "da mesma espécie" que outro? Como avaliar as
"condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes"
mencionadas pela lei?
O promotor Wellington dos Santos Veloso, que atuou no caso, discorda do
entendimento do TJ. Para ele, não houve um só crime, e sim "uma
deliberação autônoma [do assassino] em relação a cada uma das vítimas".
Na mesma linha, outros tribunais têm aplicado penas cumulativas para
crimes semelhantes. Em agosto do ano passado, a Justiça de São Paulo
condenou 25 policiais acusados do massacre do Carandiru a 624 anos de
prisão, multiplicando pelo número de detentos mortos as penas de 12 anos
por crime.
Pode-se argumentar que tanto faz o réu ser condenado a 135 ou a 45 anos
de prisão, já que a pena máxima no Brasil é de 30 anos, mas isso não é
verdade. Com a redução, passa a existir uma possibilidade real de
soltura antes dos 30 anos, após o cumprimento de uma parte da pena, que
pode ser de três quintos (27 anos), como entende o promotor Veloso, ou
de um sexto (sete anos e meio), no entendimento da defesa.
O mais grave de tudo é a percepção, que fica muito clara para qualquer
pessoa medianamente informada, de que a lei brasileira banalizou os
crimes de morte e os trata como promoções do tipo combo, em que muitos
podem ser mortos pelo "preço" de um.
Episódios como esse deixam na sociedade um sentimento de impotência e
revolta. Os desembargadores do TJ deveriam, ao menos, explicar sua
decisão olhando nos olhos dos pais de Mariane, Danielli, Jhosely, Elvis e
André.
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