segunda-feira, 12 de maio de 2014

Editorial - O matador premiado

Jornal Cruzeiro do Sul

Algumas decisões judiciais são tão insólitas e dissociadas daquilo que o senso comum entende por justiça, que os juízes deveriam ter por obrigação - se não legal, ao menos moral - explicá-las e defendê-las olhando nos olhos das vítimas ou de seus familiares.

Desgraçadamente, porém, o Judiciário é o mais encastelado dos três poderes. Seus integrantes se manifestam apenas por meio de despachos e sentenças, falam com a imprensa se e quando querem, e só prestam contas a seus superiores. O resultado é um distanciamento que se traduz, por vezes, em incompreensão e revolta - e a decepção crescente dos cidadãos com as posturas do poder que deveria ser o esteio do Estado Democrático de Direito, protetor de direitos e deveres, fiador do bem-estar social.

Certamente não faltam, nas filigranas da Lei, explicações para tudo o que a Justiça decide. Como explicar, porém, para o homem do povo - esse que não conhece os meandros da legislação, mas compreende o valor de uma vida - decisões como aquela proferida na semana passada pelos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), pela qual o matador de cinco jovens teve sua pena reduzida em dois terços, de 135 anos para 45 anos de prisão?

O TJ-SP abraçou a tese da defesa, de que Everson Severino da Silva, o Maninho, cometeu um crime continuado ao atirar mortalmente, por motivo torpe, em Elvis Aparecido Silva, de 16 anos; Mariane Caren da Silva, de 15; Danielli Miranda Raimundo, 14; Jhosely Lopes dos Santos, 15, e André Gonçalves Rodrigues, de 21 anos, na noite de 23 de outubro de 2007, em Votorantim.

Essa aberração jurídica - a chamada continuidade delitiva - está prevista no artigo 71 do Código Penal. Ela dá margem para que se conclua que, como os jovens foram executados no mesmo local e circunstâncias, o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto assassinatos foram continuação do primeiro, não cabendo, portanto, uma pena para cada crime, e sim uma única pena, referente a um dos crimes (se idênticos) ou ao mais grave da série (se diferenciados), aumentada de um sexto a dois terços. (O parágrafo primeiro do art. 71 permite que, nos crimes dolosos e cometidos com violência, a pena única seja aumentada até o triplo.)

A aplicação desse benefício envolve um julgamento subjetivo para determinar se houve continuidade ou vários crimes independentes. Como definir que um crime é "da mesma espécie" que outro? Como avaliar as "condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes" mencionadas pela lei?

O promotor Wellington dos Santos Veloso, que atuou no caso, discorda do entendimento do TJ. Para ele, não houve um só crime, e sim "uma deliberação autônoma [do assassino] em relação a cada uma das vítimas".

Na mesma linha, outros tribunais têm aplicado penas cumulativas para crimes semelhantes. Em agosto do ano passado, a Justiça de São Paulo condenou 25 policiais acusados do massacre do Carandiru a 624 anos de prisão, multiplicando pelo número de detentos mortos as penas de 12 anos por crime.

Pode-se argumentar que tanto faz o réu ser condenado a 135 ou a 45 anos de prisão, já que a pena máxima no Brasil é de 30 anos, mas isso não é verdade. Com a redução, passa a existir uma possibilidade real de soltura antes dos 30 anos, após o cumprimento de uma parte da pena, que pode ser de três quintos (27 anos), como entende o promotor Veloso, ou de um sexto (sete anos e meio), no entendimento da defesa.

O mais grave de tudo é a percepção, que fica muito clara para qualquer pessoa medianamente informada, de que a lei brasileira banalizou os crimes de morte e os trata como promoções do tipo combo, em que muitos podem ser mortos pelo "preço" de um.
Episódios como esse deixam na sociedade um sentimento de impotência e revolta. Os desembargadores do TJ deveriam, ao menos, explicar sua decisão olhando nos olhos dos pais de Mariane, Danielli, Jhosely, Elvis e André.

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