quinta-feira, 16 de abril de 2015

Editorial

Jornal Cruzeiro do Sul

Falta amadurecer

Sorocaba amanheceu ontem travada por uma paralisação de trabalhadores de segmentos importantes da economia como transportes, metalurgia, papel e papelão, vestuário e tecelagem. O objetivo foi protestar contra o projeto de lei que tramita no Congresso Nacional para regulamentar a terceirização em todas os setores da economia. Em consequência, o dia foi caótico, marcado por transtornos e prejuízos à população.

Desse contexto, três leituras principais podem ser extraídas: de um lado, a paralisação consolida o direito democrático de protestar na defesa dos direitos dos trabalhadores; de outro, a tática da surpresa nos mecanismos que garantem a mobilidade urbana é um modelo de ação que prejudica os mais necessitados, camada da população que inclui muitos dos próprios trabalhadores; e também é um indicador positivo de que os trabalhadores acompanham uma votação no Congresso que pode mudar as relações entre empregados e empregadores.

O direito de protestar tem sido reconhecido por especialistas em mobilizações sociais, por conta dos últimos protestos contra ou a favor da presidente Dilma Rousseff (PT). A expressão "vem pra rua" tem sido uma bandeira dos movimentos que reivindicam medidas contra a corrupção no País. E, desde que sejam movidas por adesões espontâneas e pacíficas, estas ações são legitimadas pelo direito constitucional e democrático de manifestação popular.

O que não se pode é admitir que as adesões sejam forçadas. E foi justamente o que aconteceu quando sindicalistas saíram às ruas ontem em protesto convocado pelas centrais sindicais CUT, CTB, Nova Central, Intersindical e Conlutas.
Em Sorocaba e Votorantim, os sindicalistas paralisaram o transporte coletivo. Em Sorocaba, cerca de 60 ônibus fretados, que transportam os trabalhadores para as indústrias, tiveram os seus itinerários interrompidos e desviados para uma concentração no Parque das Águas, que reuniu cerca de três mil trabalhadores (segundo a organização do protesto) ou 1,5 mil (segundo a Polícia Militar).
O número de ônibus levados ao Parque das Águas só não foi maior porque muitas empresas, informadas da mobilização, tiveram tempo de alterar roteiros do transporte de seus funcionários ou mudar horários de turnos. O vice-diretor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Erly Domingues de Syllos, informou que a paralisação afetou a produção das indústrias locais, que já sofrem com os problemas na economia do País.

A surpresa da ação, se é vista como tática de procedimento por parte dos sindicalistas, representou uma punição para inocentes que saíram de casa nas primeiras horas da manhã e se dirigiram ao ponto para esperar o ônibus que não viria tão cedo. Muita gente tem esse deslocamento como rotina de mobilidade para o trabalho, mas uma parte significativa também se dirige a hospitais e outras unidades de saúde. E também às escolas, entre tantos outros compromissos com hora marcada.
A alternativa dos táxis, além de ser cara para a maioria da população, não dá conta da demanda de milhares de pessoas que usam os ônibus diariamente. Sem transporte coletivo, muita gente foi obrigada a recorrer à caminhada, voltou para casa ou não soube o que fazer. O tamanho do prejuízo, em termos financeiros e morais, é incalculável.

Se os organizadores tivessem feito comunicado de aviso do protesto com antecedência, poderiam reduzir os transtornos e até poderiam ganhar a adesão espontânea de parte dos trabalhadores. A necessidade de amadurecimento é fundamental para a boa condução de ações coletivas, que alteram a vida das pessoas.

A democracia é uma expressão sublime da liberdade, do direito e da cidadania, mas também tem que oferecer garantias de segurança, justiça e responsabilidade. É preciso respeitar os valores democráticos para que ações de mobilização popular tenham legitimidade e não resvalem para o lado grotesco das táticas de guerra.

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