Afinal de contas, as pessoas podem ter acesso a uma substância química que promete a cura da doença mas não é registrada como remédio?
FOSFOETANOLAMINA SINTÉTICA NÃO É UM REMÉDIO RECONHECIDO PELA ANVISA
FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE
Mesmo assim, segundo a avaliação do juiz, a falta de aprovação não é justificativa para impedir a distribuição. De acordo com ele, o paciente, que já está em estágio terminal, sabe dos riscos que corre.
A decisão é só mais um capítulo no longo debate sobre a liberação ou não da substância. Em outubro, o Tribunal de Justiça de São Paulo já havia determinado a suspensão da distribuição da droga. No entanto, na época, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar a uma única paciente carioca, assegurando que ela teria direito à capsula. O ministro do STF, Luiz Edson Fachin, afirmava que era uma exceção e que não estava abrindo precedentes.
Após a decisão do Supremo, o TJ-SP decidiu liberar a distribuição do medicamento no Estado. Mas, em novembro, voltou a proibir. Agora, com a decisão de Tavares, a discussão volta à pauta. Entenda a história:
Como a fosfoetanolamina sintética ficou conhecida#
O professor aposentado da USP de São Carlos Gilberto Orivaldo Chierice, doutor em química, pesquisa há mais de duas décadas uma substância chamada fosfoetanolamina sintética, que promete, nas palavras dele, “curar o câncer”. Ele chegou a fabricar o medicamento - mais de 50 mil cápsulas por mês - e o repassava aos interessados de graça.
O tratamento alternativo - que nunca foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e não pode ser considerado um medicamento - foi distribuído, sem muito barulho,no Instituto de Química da USP de São Carlos por anos. Em junho de 2014, a universidade restringiu sua distribuição. Recentemente, uma entrevista do pesquisador provocou uma nova onda de buscas pela suposta cura.
Desde então, começaram a se formar filas enormes de pessoas procurando pelo produto na USP São Carlos. O aumento na procura - inclusive através de liminares na Justiça - levou a universidade a se posicionar. "A USP não é uma indústria química ou farmacêutica. Não tem condições de produzir a substância em larga escala”, disse em comunicado no último dia 13 de outubro.
Por que a fosfoetanolamina não é considerada medicamento#
Segundo o professor Cherice, a fosfoetanolamina sintética é uma combinação de duas substâncias que faz uma espécie de marca nas células cancerosas. Ela é semelhante a uma substância que o próprio corpo já produz para se defender de células malignas. Vários pacientes têm relatos positivos acerca do uso do produto, mas não há nenhum estudo conclusivo sobre os seus benefícios.
Chierice diz que pediu quatro vezes à Anvisa aprovação para prosseguir nas pesquisas, mas o pedido foi negado. A agência diz que isso não aconteceu.
Como não foram realizados testes clínicos em humanos, não há evidências de quais são os possíveis danos que a fosfoetanolamina pode causar. "Se ela consegue matar uma célula cancerosa é bastante provável que ela consiga também matar uma célula saudável",comentou Felipe Ades, médico, com especialidade em Oncologia Clínica e doutor pelo Institut Jules Bordet em Bruxelas.
Ele ressalta ainda que não sabemos como o produto pode se comportar ao lado de outros remédios de uso habitual, como os que tratam a pressão alta ou diabetes.
Muitas substâncias têm sucesso em laboratório. Mas, entre os testes em animais e em seres humanos, há uma enorme distância. Segundo Ades, estima-se que uma em cada 5 mil substâncias testadas se tornam medicamento.
A USP é enfática: “não se trata de detalhe burocrático o produto [fosfoteanolamina] não estar registrado como remédio - ele não foi estudado para esse fim”. A universidade ainda ressalta que parte do problema em apelar para tais produtos é o paciente se iludir.
“Não raro essas condutas podem ser deletérias, levando o interessado a abandonar tratamentos que, de fato, podem ser efetivos ou trazer algum alívio. Nessas condições, pacientes e seus familiares aflitos se convertem em alvo fácil de exploradores oportunistas”.
Universidade de São Paulo
Decisões judiciais falam em ‘garantia à saúde’#
Na Justiça, são dois os pontos de vista no debate. O primeiro é que o fato da fosfoetanolamina não ser um medicamento aprovado pela Anvisa fere os princípios da legalidade e segurança medicinal.
Por outro lado, considerando que pessoas declararam ter sucesso no tratamento, negar o composto pode ferir o princípio de proteção do direito à saúde.
"Conquanto legalidade e saúde sejam ambos princípios igualmente fundamentais, na atual circunstância, o maior risco de perecimento é mesmo o da garantia à saúde”
José Renato Nalini,
presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo
O advogado Caio Guimarães Fernandes, pós-graduando em Direito Processual Civil pela PUC-SP, pensa numa linha semelhante a de Nalini. Ele ressalta que, na Constituição Brasileira, o direito à vida e a dignidade humana são o maior bem a ser protegido. "A ausência do registro do medicamento na Anvisa não afasta a responsabilidade do Estado, de garantir ao indivíduo custear o tratamento adequado para garantir a sua dignidade", afirmou.
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