domingo, 1 de outubro de 2017

Editorial - A mulher que diz "não"

Jornal Cruzeiro do Sul

O ato de entrar num ônibus ou em outro meio de transporte público é um exercício de mobilidade essencial às atividades humanas e também uma garantia do direito de ir e vir, protegido por dispositivo constitucional. Nas últimas semanas, vários casos de abuso sexual contra a mulher no interior de ônibus urbanos mostram que deslocamentos que deveriam ser normais podem se transformar em viagens ao desespero.

Os registros dão conta de agressões ocorridas em ônibus na Capital e também em Sorocaba. Em São Paulo, um dos casos ganhou grande repercussão porque o agressor, após ser preso, foi libertado pela Justiça. Ao retornar às ruas, voltou a atacar, foi encarcerado de novo e desta vez continua atrás das grades.

Em Sorocaba, na última terça-feira, a infâmia se repetiu. O agressor tinha 43 anos. A vítima, que mora em Votorantim e trabalha como doméstica em Sorocaba há dois anos, foi molestada no ônibus da linha Vila Rica/Industrial. Em audiência de custódia, a juíza Cecília de Carvalho Contrera decidiu manter o homem preso durante o andamento do processo.

E esses casos não são isolados. A polícia registrou este ano ao menos um caso de abuso sexual por dia no transporte público da capital paulista e da Grande São Paulo. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), de 1º de janeiro até a última segunda-feira (25), houve 388 ocorrências em ônibus, trens e metrô. Entre elas estão casos de ato obsceno, importunação ofensiva ao pudor, estupro, assédio sexual, violação sexual mediante fraude e corrupção de menores.

Dados da Prefeitura de Sorocaba mostram que, na cidade, nos primeiros sete meses deste ano foram computados sete registros de "importunação ofensiva ao pudor". Desse total, duas ocorrências tiveram como local o terminal São Paulo, e em outras cinco ocorrências, o terminal Santo Antônio.

Por constrangimento, medo ou vergonha por parte das vítimas, provavelmente muitos casos não são denunciados. Enquanto o agressor exerce um poder criminoso e de pretensa dominação, a vítima, para preservar sua identidade e não se desgastar numa extensão indeterminada em danos morais e emocionais, tende a se recolher ao mais devastador silêncio.

Dessa forma, as mulheres que denunciaram os seus agressores nos casos recentes se diferenciam como exemplos de conduta no combate a esse tipo de violência. Os gritos de indignação de cada vítima contribuem para que a justiça seja feita na forma de punição ao agressor. E que a dor de cada uma das vítimas seja convertida em rede de proteção à mulher.

Em paralelo, a história mostra que a atitude de uma única mulher tem grande capacidade transformadora na luta por direitos e garantias individuais e coletivas. Em 1º de dezembro de 1955, época de segregação racial nos EUA, uma mulher chamada Rosa Parks se recusou a ceder o seu lugar no ônibus a um branco. O caso aconteceu na cidade de Montgomery, no Alabama. Foi o estopim de um boicote aos ônibus de Montgomery. O exemplo de Rosa Parks também viria a marcar, posteriormente, o início da luta pelos direitos civis nos EUA, liderada por Martin Luther King Jr.

Passados 62 anos, a atitude da mulher que disse "não" à violência racial numa cidade dos EUA é a mesma das mulheres que hoje dizem "não" à violência sexual nos ônibus e em outros locais de cidades brasileiras. Que essas pioneiras inspiradoras contribuam para garantir que as mulheres, em todas as cidades do Brasil e do mundo, exerçam o direito de ir e vir em paz e em segurança.

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