Priscila Fernandes
Alifer, que cresceu na comunidade, mostra o esgoto que corre a céu aberto em córrego - FÁBIO ROGÉRIO
Incra ainda não completou processo de regularização da área - FÁBIO ROGÉRIO
Zacarias e Roseli dizem se sentir esquecidos - FÁBIO ROGÉRIO
Cerca de 80 pessoas, descendentes do escravo que deu nome ao quilombo, vivem na área - FÁBIO ROGÉRIO
Sem saneamento básico, energia elétrica, asfalto e áreas de lazer, vivem os remanescentes do quilombo José Joaquim de Camargo em Votorantim, nas proximidades do bairro Votocel. Os descendentes do escravo que denomina a comunidade aguardam desde 2006 a demarcação de terras localizadas em Sorocaba, Salto de Pirapora e Votorantim. Sem a oficialização, a área não é incluída em projetos de infraestrutura pelo poder público municipal.
São aproximadamente 20 residências, a maior parte improvisada em pedaços de madeira, que obtém água e energia em "gatos", feitos pelos próprios moradores. Por volta de 80 pessoas residiriam no local, tendo como principal fonte de renda a venda do peixes pescados na área, plantio de bananas, além do recolhimento de materiais recicláveis. Algumas igrejas também auxiliariam as famílias mais carentes.
Roseli Santos Garcia, 44 anos, e Zacarias Domingues, 43 anos, sustentam os dois filhos de cinco e oito anos por meio da renda obtida com a reciclagem. "Somos esquecidos", reclamou o homem. No dia da visita da reportagem, a refeição da família teria o reforço de legumes descartados de um supermercado. E mesmo na dificuldade, o que sobra é repartido com os demais moradores. "É um ajudando o outro", conta Roseli.
Alifer Noronha Fernandes, de 21 anos -- que cresceu na comunidade -- relata que sonha em ver o local ser tratado como qualquer outro bairro da cidade. "A gente é discriminado pelo local em que moramos. Pensam que é favela", lamenta. O preconceito dificultaria as chances dos moradores ao procurarem emprego. O rapaz conta que vende bananas e peixes, mas que quer terminar os estudos e está cursando supletivo. Ele gostaria que a comunidade recebesse projetos voltados às crianças e aos adolescentes.
Entre os moradores mais antigos, o tom é de desânimo e revolta. Relatam as diversas visitas de técnicos, autoridades e reportagens, que resultaram em poucos avanços concretos. "Gostaria de ver melhorias aqui", desabafa Marlene Domingues da Silva Fernandes, de 64 anos. Segundo moradores, as famílias estariam na área há mais de cem anos.
A Prefeitura de Votorantim afirma que enquanto não houver um relatório técnico conclusivo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sobre a titularidade da área (se ela é pública, particular ou dos quilombolas) não há como o poder público proceder a infraestrutura, seja por meio dos serviços diretos municipais ou por meio das concessionárias. A Secretaria da Cidadania também faz atendimento das famílias em programas sociais.
Prazo para regularização não tem previsão
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) afirma que diante da complexidade do processo, devido às dimensões do território reivindicado, que abrange três municípios, e da dificuldade em se obter informações que possam subsidiar a demarcação, não seria possível determinar um prazo para a conclusão dos trabalhos.
Os remanescentes possuem uma escritura datada de 2 de novembro de 1874, mostrando a compra de terras pelo escravo José Joaquim de Camargo por 400 mil réis. O documento descreve a área adquirida, porém o faz por córregos e cachoeiras. Após o início dos processos em busca de oficialização da posse, os moradores conquistaram o reconhecimento da comunidade pela Fundação Cultural Palmares em 2008. O Incra, no entanto, afirma que o reconhecimento é insuficiente para garantir a demarcação e titulação do território quilombola, sendo necessária a publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). A partir daí, iniciaria o processo de desapropriação para titulação das terras em nome da associação de moradores.
Os trabalhos de campo teriam começado em 2012, mas paralisados em 2013 devido à necessidade de se obter mais elementos sobre o histórico de ocupação do território, de acordo com o Incra. Outra dificuldade relatada pelo órgão seria a existência de três associações de moradores (um núcleo em cada cidade), sendo que as normas que regem o processo de reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas prevêem apenas uma associação. O Incra afirma ter realizado sucessivas reuniões com a comunidade para esclarecimento do andamento do processo e solicitação de informações e documentos -- a última, 31 de maio de 2017. O órgão afirma que ainda aguarda informações solicitadas aos representantes da comunidade na ocasião.








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