sábado, 17 de março de 2018

Escolas recebem projeto sobre cultura caipira

Jornal Cruzeiro do Sul
Felipe Shikama

Caio Alquati, Zé Bocca e Maurício Toco no Ceeja Professor Norberto Soares Ramos, na Vila Assis - ERICK PINHEIRO


Causos e anedotas do universo caipira, entrecortados por moda de viola e cururu, ganham ouvidos atentos de jovens e adultos. Por meio da oralidade, o espetáculo reaviva a cultura tradicional popular da região e homenageia grandes nomes da música capira no projeto "Os manducas em prosa e verso".

Com cerca de 50 minutos de duração, o espetáculo é apresentado pela companhia Os Manducas de Fiúza, formado pelo ator e contador de história Zé Bocca e o professor e músico Maurício Toco. O show tem participação de Caio Alquati na sanfona.

Realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura de Sorocaba (Linc), o projeto prevê uma série de 11 apresentações em escolas da rede estadual equipadas com salas de leitura e que oferecem a modalidade de Educação para Jovens e Adultos (EJA).

A sétima apresentação da temporada foi realizada na noite da última quinta-feira (15), no pátio do Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Ceeja) Professor Norberto Soares Ramos, na Vila Assis.

Para uma plateia de cerca de cem alunos, os artistas revisitaram causos do interior paulista registrados pelo folclorista Cornélio Pires e músicas de expoentes da música caipira como Teddy Vieira, Jacó e Jacozinho, Alvarenga e Ranchinho, Jararaca e Ratinho e o sorocabano Nhô Juca, como era conhecido o apresentador de rádio, ator e humorista sorocabano José Rodrigues da Silva, morto em 1981.

Morador de Araçariguagma e aluno do 8º ano, o ajudante geral Douglas Souza Carvalho aprovou a iniciativa que, nas palavras dele, proporcionou bons momentos de cultura e descontração. "Foi uma surpresa. Gostei porque tem muita palhaçada. Agora eu vou fazer uma prova de Ciências, estava um pouco nervoso, mas fiquei até mais tranquilo", comentou.

Já Francisco Marcos Gonçalves, de 59 anos, afirma que se emocionou ao relembrar de músicas que ouvia ainda criança no rádio e na televisão. "Parece que os artistas antigos tinham mais carinho com o povo. Eles cantavam sobre aquilo que a gente vive, mas isso foi sumindo com o tempo. É muito bom ver que tem gente resgatando isso", disse.

Zé Bocca comenta que, desde o início, a proposta da companhia é justamente promover o "reavivamento" da cultura caipira. "É como aquela fogueira que, quando você vê de cima, só tem cinzas, mas no fundo ainda tem uma brasinha, então se você assoprar ela reacende", compara.

O duo Manducas de Fiúza -- combinação de duas expressões pinçadas de um dicionário caipira do folclorista Waldemar Iglesias que significa algo como "sujeitos de confiança" -- nasceu em 2010, a convite do então secretário de Cultura de Votorantim, Clayton Leme, para integrar a programação do Espaço da Cultura Caipira na Festa Junina Beneficente da cidade.

Desde então, ambos os integrantes passaram a desenvolver pesquisa contínua sobre repertório e narrativas orais de causos, especialmente do interior de São Paulo e sul de Minas Gerais. A transversalidade entre arte e educação, leitura e oralidade também sempre se fez presente no trabalho do duo, que durante dois anos circulou em dezenas de ônibus-bibliotecas e bibliotecas de escolas da rede municipal de São Paulo.

Bocca acrescenta que o projeto contemplado no edital de 2017 da Linc, com o fomento de R$ 28.010, também tem como foco homenagear o legado de expoentes da cultura caipira da região e valorizar a questão da leitura, "pois usa a contação de história como ponte para se chegar à leitura formal".

Bocca acrescenta que a opção por levar o espetáculo à rede pública teve como prerrogativa que as escolas fossem equipadas com salas de leitura ou que oferecessem a modalidade de EJA -- preferencialmente os dois quesitos. "A gente percebeu que o regime de atenção deles é maior do que quando é apresentado para adolescentes, até porque a maior parte dos alunos chegou à essa altura da vida muito mais pela oralidade do que pela escrita", detalha. "Além disso, a maturidade faz com que as pessoas tenham um interesse maior em entender as suas raízes, algo que quando a gente é jovem, a gente não se importa tanto", complementa Toco.

Recheado de causos improváveis, como a de um bando de urubus que tem as patas coladas aos galhos de uma mangueira e, ao baterem as asas juntos carregam a árvore para o céu, ou a de um pescador que jura ter fisgado a mesma traíra por quatorze vezes consecutivas, o espetáculo é enriquecido com trilhas sonoras executadas ao vivo com viola e sanfona.

O momento de cultura e descontração realizado por meio do projeto é valorizado pela coordenadora do núcleo pedagógico de História da Diretoria de Ensino de Sorocaba, Fernanda Isaura Medeiros Mirim, que abraçou a circulação do projeto. "A iniciativa é muito válida, pois como eles estudam à noite e trabalham de dia, têm poucas oportunidades de apreciar um espetáculo artístico", afirma.

Diretora da escola Professor Norberto Soares Ramos, Ana Paula Ernandes de Camargo Malta acrescenta que a apresentação na noite de quinta-feira foi precedida de uma mobilização de toda a equipe escolar, que reforçou o convite aos mais de 10 mil alunos, que comparecem à unidade escolar para fazer provas e tirar dúvidas com os professores.

Como contrapartida do projeto, as apresentações são precedidas de uma oficina de contação de história e oralidade ministrada pelos próprios Manducas, Zé Bocca e Maurício Toco. "É uma capacitação dos professores, porque eles se comunicam muito bem e têm muita experiência nessa área", complementa Fernanda.

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