Gazeta de Votorantim
Ivana Santana
Aposentados lotaram o auditório da Câmara
Por Luciana Lopez
“A partir de dezembro já não haverá mais a recarga dos cartões. A decisão do Tribunal de Justiça é para suspender o pagamento do vale a todos os inativos, atuais e futuros”, informou a Prefeitura Municipal de Votorantim. A decisão diz respeito ao vale-alimentação dos servidores públicos inativos (aposentados e pensionistas). A Lei Municipal nº 1582/01 permitiu que os servidores inativos recebessem o auxílio. Mas, agora, aposentados e pensionistas da categoria devem perder o vale, já que o prefeito Fernando de Oliveira Souza questionou na Justiça a licitude da lei, impetrando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para interromper a concessão de vale-alimentação, estabelecido pela citada lei.
A suspensão do vale pegou de surpresa os aposentados e inativos. José Maria Nunes, de 75 anos, trabalhou 21 anos como servidor, com serviços de terraplanagem. Ele recebe cerca de R$ 2.000,000 de aposentadoria e recebia cerca de R$ 500,00 de vale-alimentação. Ele diz estar sem saber o que fazer com a retirada do benefício.
“Moramos eu, minha esposa e meus filhos, que estão desempregados. A única renda é o que eu recebo. E minha esposa toma um remédio que custa R$ 800,00. Agora com R$ 500,00 a menos para fazer as compras do mês, fica difícil. A gente fica sem saber o que faz. Eles podiam pelo menos ter avisado antes, porque a gente podia se planejar. Mas eles não avisaram nada. Foi uma surpresa. Não sei como vou fazer mês que vem. Deixei nas mãos de Deus”, desabafa.
“Esse vale é o seguinte: muitas vezes os prefeitos de gestões anteriores não deram aumento real no nosso salário, e muitas vezes isso foi complementado com o aumento do vale-refeição. O aumento do vale foi como se fosse um aumento de salário. Então vai fazer muita falta”, explica o aposentado Vitor Hugo Beloto Cordeiro, de 54 anos. Ele trabalhou como servidor público por 27 anos, como auxiliar de enfermagem.
“Eu recebo R$ 2.000,00 de aposentadoria. Moramos eu, minha esposa e meu filho. E agora a gente pensa: ou eu pago aluguel ou eu vou comer. Porque tirando esse vale eu vou ter que desembolsar mais de R$ 500,00 para fazer a minha compra do mês. E eu tive um AVC, gasto quase R$ 200,00 por mês com remédios. Como eu vou viver e pagar o aluguel com os R$ 2.000,00 que eu recebo de aposentadoria? O prefeito não fez uma reunião nem com os aposentados, nem com o Sindicato e nem com a Câmara para tentar achar um meio termo, uma ajuda para a gente”, desabafa.
Já a aposentada Clarice Machado de Oliveira, de 56 anos, trabalhou 22 anos como servidora, com serviços gerais. Ela recebe pouco mais de um salário mínimo de aposentadoria. “De todos os cargos da prefeitura, o menor salário é de serviços gerais. O vale era complemento do meu salário. Eu moro sozinha, mas tenho as contas do dia a dia. Eu usava o vale para fazer compras. E às vezes quando alguém da minha família precisava, eu ajudava eles também”, relata.
“Dói muito profundamente também ver agora a situação dos meus amigos, pais de família, mães de família, avós, pensionistas... São colegas de trabalho de anos. Eu fico muito triste, por mim e por meus colegas de trabalho. E o que mais dói é que foi de uma hora para outra. Sem explicação. O prefeito falou que era lei e fez isso. A gente não foi avisado. A gente trabalhou, demos o melhor de nós lá, eu por mais de 20 anos, nós servimos os grandes e hoje eles fazem isso para os pequenos. É difícil. Principalmente agora no final de ano. Esse foi o nosso presente de grego para o Natal”, desabafa.
Na Adin, o prefeito Fernando de Oliveira Souza informa que o município de Votorantim paga, a título de auxílio-alimentação aos servidores segurados e aos seus dependentes a quantia mensal de quase meio milhão de reais. Desta forma, anualmente quase R$ 6 milhões deixarão de ser inseridos na economia da cidade. Segundo o Sindicato da categoria, cerca de 1100 segurados deixarão de receber o vale.
Retirada do vale tem movimentado a cidade
Os servidores ativos e inativos tem protestado na cidade em relação a retirada do vale. Eles se manifestaram durante esta semana na sessão da Câmara de quinta-feira (22), e em frente ao Paço Municipal, no final da tarde de ontem (23), quando, inclusive, fecharam a Avenida 31 de Março, sentido bairro, por cerca de 8 minutos.
Segundo a Prefeitura, e segundo o prefeito em vídeo postado nas redes sociais na última semana, o pagamento do vale-alimentação aos inativos é considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, através da Súmula Vinculante nº 55, que diz: “o direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos”.
“Em Votorantim, a Lei nº 1.597/2001 estendeu indevidamente aos aposentados o vale-alimentação. Portanto, essa lei foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça, que determinou a suspensão de todos os pagamentos feitos a esse título. Diante da inconstitucionalidade dessa lei, a Prefeitura de Votorantim não teve outra alternativa senão entrar com a Ação Direta de Inconstitucionalidade e suspender os pagamentos”, disse a Prefeitura.
Questionamos a Prefeitura sobre o motivo da retirada apenas agora, tendo em vista que a súmula é de 2016, e perguntamos onde consta que o prefeito foi obrigado a tomar esta atitude. A Prefeitura informou que foi obrigada a tomar a atitude por conta do art. 103-A da Constituição Federal: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.
“Portanto, a obrigação se dá, acima de tudo, em cumprimento à Constituição Federal. A Prefeitura informa ainda que todos os inativos estão sendo comunicados via correspondência. Quanto a decisão ter sido adotada agora, é porque a administração anterior não o fez, como lhe competia fazer; não aplicar a Súmula Vinculante pode caracterizar improbidade administrativa”, informou a Prefeitura à nossa redação.
Súmula vinculante
Segundo um artigo, publicado por Gabriel Marques no site Jusbrasil, que reúne membros da comunidade e advogados que compartilham informações, as súmulas vinculantes realmente obrigam alguém a fazer algo. “Como o nome já evidencia, as súmulas vinculantes representam uma categoria diferenciada, dotada de teor obrigatório: obrigam a Administração Pública e todos os demais Juízes e Tribunais a seguir o conteúdo da Súmula, sendo possível encontrar vários exemplos no site do STF. Caso não o façam, a decisão violadora da súmula é passível de ser questionada diante do próprio Supremo, por meio de um instrumento chamado de reclamação constitucional, como prevê o § 3º do artigo 103-A da Constituição Federal de 1988”, explica.
Câmara e Sindicato se
posicionam na Justiça
O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Votorantim e a Câmara Municipal não aceitaram a decisão da retirada do vale. No dia 12 de novembro, o Sindicato entrou com um peticionamento no Tribunal de Justiça sobre o tema. Entre os pedidos, o Sindicato requereu que “seja revogada a liminar, de forma a reativar a validade das expressões ‘segurados e dependentes’ constantes no artigo 1º da Lei Municipal nº 1597/2001, até o julgamento final da presente ação, restabelecendo-se assim, de imediato, o pagamento do vale-alimentação aos servidores inativos do município de Votorantim”.
Já o peticionamento feito pela Câmara ao Tribunal de Justiça destaca que “a manutenção da decisão liminar, sem distinguir os beneficiários que são presumidamente hipossuficientes – como os que recebem até três salários mínimos – pode ameaçar o sustento do segurado e de sua família, pois o mesmo não teve tempo hábil para se planejar, já que a medida adotada pelo autor da acão tornou-se conhecida apenas em 09/11/2018. (...) A medida ora requerida está amparada no caput do art. 6º da Constituição Federal, que assegura o direito à saúde e alimentação, de modo que a sustação imediata do pagamento do vale-alimentação prejudica ou até mesmo inviabiliza o exercício desses direitos”. Com base nisso, a Câmara pede para que os servidores inativos que recebem até três salários mínimos recebam o vale, pelo menos, até a decisão do mérito.
Na sessão da Câmara de terça-feira (22), o presidente Bruno Martins (sem partido) comentou que a Prefeitura teria um prazo de 15 dias para responder ao Tribunal de Justiça sobre a proposta de manter o vale-alimentação para os inativos que recebam até três salários mínimos até o julgamento final da ação. Sobre o assunto, a Prefeitura de Votorantim informou que não vai se manifestar neste momento por se tratar de uma questão técnica-jurídica.
Reportagem publicada na edição 295 da Gazeta de Votorantim, de 24 a 30 de novembro de 2018, página 05.
