Por Júlia Martins, Wilson Gonçalves Jr., Witter Veloso e Gabriel Sant'Ana, g1 e TV TEM
Em 23 de outubro de 2007, cinco jovens entre 14 e 21 anos foram mortos a tiros em mirante no bairro Vossoroca. Everson 'Maninho', acusado do crime, foi sentenciado a 135 anos de prisão, mas teve a pena reduzida; confira relatos de parentes.

Chacina de Votorantim: g1 visita famílias das vítimas 15 anos após o crime
O sentimento de vazio é algo que nem o tempo foi capaz de curar. Para a costureira Maria Ferreira do Carmo, a perda do filho Elvis, de 16 anos, é uma ferida que continua aberta mesmo depois de 15 anos.
O jovem foi uma das cinco vítimas de um crime bárbaro que ficou conhecido como a Chacina de
Votorantim. Elvis Aparecido Silva e outros quatro adolescentes morreram baleados em um local chamado de mirante, no bairro Vossoroca, em 23 de outubro de 2007.
15 anos depois, o g1 revisitou algumas das famílias das vítimas do crime que chocou não só a cidade, mas todo o interior de São Paulo. Os relatos obtidos pela reportagem mostram que o tempo, diferentemente do ditado amplamente conhecido, não cura todas as feridas.
"A cada dia a dor aumenta mais. No dia a dia a gente sorri, dá risada, mas por dentro a gente tá morta, a gente morreu. A gente vive por viver, enquanto Deus quiser que a gente esteja aqui. Mas, a falta do meu filho é muito grande" afirma a costureira.
O crime
Naquele dia, há 15 anos, a vida seguia normalmente na cidade de pouco mais de 100 mil habitantes. Em uma terça-feira, oito jovens resolveram não entrar na aula para fazer um piquenique no mirante.
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Crime em 2007 chocou moradores de Votorantim (SP) — Foto: Folha de Votorantim/Reprodução/Arquivo
O grupo saiu da Escola Estadual Evilásio de Góes Vieira, caminhou por cerca de 500 metros até chegar ao local, que era bem conhecido entre os adolescentes. Eles namoravam e comiam salgadinhos quando foram abordados por dois homens armados, que começaram a atirar.
Na época, a investigação descobriu que, ao chegar no mirante, os criminosos disseram: "Isso aqui não é brincadeira não, hein", antes de começar a atirar contra os jovens.
Além de Elvis, Danielli Miranda Raimundo, de 14 anos, Mariane Caren da Silva, 15 anos, e Jhosely Lopes dos Santos, de 15 anos, morreram no local. André Gonçalves Rodrigues, de 21 anos, chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital.
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Jovens mortos na Chacina de Votorantim, em outubro de 2007 — Foto: Reprodução/TV TEM
Outros três adolescentes sobreviveram ao ataque, fugiram e conseguiram pedir ajuda para moradores. Um jovem de 18 anos levou dois tiros no braço, e dois adolescentes, de 15 e 16 anos não tiveram ferimentos. Aos policiais, eles contaram que conseguiram sair correndo no momento em que a arma de um dos homens falhou.
"Verdadeiramente demoníaco"
Para o promotor de Justiça Wellington dos Santos Veloso, quem cuidou do caso na época, a brutalidade do crime chamou a atenção não só de moradores, mas também das autoridades.
“Esse é um daqueles casos que me fazem acreditar na existência do demônio. Tirar as vidas daqueles jovens da maneira como foram tiradas, e pelo motivo que foram tiradas, não é apenas desumano, não é só cruel, isso é verdadeiramente demoníaco. Esse foi, com certeza, um dos casos mais tristes e mais violentos com os quais eu me deparei ao longo de mais de 36 anos de carreira", afirma.
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Wellington dos Santos Veloso foi o promotor que acompanhou o caso em Votorantim (SP) — Foto: Júlia Martins/g1
De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), o mês de outubro é considerado, até hoje, o mais violento da cidade, com sete vítimas de homicídio. Esse número é quase o total de vítimas registradas durante todo o ano de 2021, que teve oito.
No entanto, o caso de André, que foi socorrido com vida, não entra como registro de vítima de homicídio, e sim como um caso de tentativa de homicídio. Por isso, o outubro de 2007 não se iguala aos registros deste ano.
Investigação
A peça-chave que alavancou a investigação logo nos primeiros dias foi a morte de um rapaz chamado Wellington de Barros Silva, conhecido como "Bicho". Segundo a polícia, ele foi morto por vingança justamente por ter participado da chacina.
Com o depoimento do acusado pela morte de "Bicho", condenado a 12 anos de prisão na época, os investigadores foram capazes de apontar Everson Severino, o "Maninho", como mandante e executor da chacina.
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Everson "Maninho" foi apontado como o mandante da chacina — Foto: Folha de Votorantim/Reprodução/Arquivo
“Everson era um conhecido traficante na região. E, por conta da presença dos jovens no local, deliberou por matá-los, o que é algo extremamente brutal”, explica o promotor. Segundo ele, o terreno era usado como ponto de venda de drogas, comandado por Maninho.
Ainda havia a suspeita de envolvimento de uma terceira pessoa, que chegou a ser presa, mas foi absolvida por falta de provas.
O júri
Era dia quatro de novembro de 2011. Milton Vieira se preparava junto com a esposa para uma viagem de 30 km até
São Roque, cidade da região. Isso porque, a pedido da defesa, o júri foi desaforado, ou seja, retirado de Votorantim para que fosse julgado.
O motivo, segundo os advogados de defesa, era que, por conta da enorme repercussão, os jurados riam entrar para o julgamento influenciados.
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Milton Vieira, pai de Jhosely, uma das vítimas da chacina em Votorantim (SP) — Foto: Júlia Martins/g1
Em frente ao fórum, em 2011, Milton fez uma oração para a filha Jhosely, de quem foi forçado a se despedir quatro anos antes.
“A gente fica tão ansioso pra chegar o dia do julgamento, que você fica até com um pressentimento de que, quando terminar, a vida vai seguir normal. Mas, infelizmente, não é assim”, conta.
“Eu me lembro até que, há pouco tempo, havia acontecido o caso Nardoni, que teve repercussão até internacional, e eu dizia ‘mas, se a repercussão é fundamento pra desaforar, os Nardoni terão que ser julgados em outro planeta’”, comenta Wellington.
Foram horas e mais horas de julgamento quando, finalmente, por volta das 3h, o juiz determinou uma pena para Everson “Maninho”: 135 anos de prisão.
Um alívio tímido tomou conta das famílias das vítimas. No entanto, Milton afirma que a ferida causada pela perda da filha nunca irá se curar totalmente.
“Ele foi condenado e a dor da gente só ficou mais forte durante esse período. É mais um condenado, mas é mais uma mãe sofrendo por um filho preso e nós com a nossa dor que continua. Mas, ele tem que pagar pelo que ele fez”, afirma.
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Maria Ferreira do Carmo, mãe de Elvis, outra vítima da chacina em Votorantim — Foto: Júlia Martins/g1
Para a costureira Maria, mãe do Elvis, a saudade continua crescendo, e um perdão difícil de conceder.
“Peço muito pra que Deus toque o meu coração e faça uma obra muito grande em mim, porque eu não sou capaz de dar o perdão. Não adianta eu falar que sou, porque Deus sabe que eu falo do fundo do meu coração e eu ainda não sou capaz. Peço que Deus tenha misericórdia dele, mas eu não sou capaz. Ainda não”, diz Maria.
Reviravolta
Para as famílias, os anos seguintes foram de luto e dor, mas com a certeza que "Maninho" pagaria por todo o mal que causou. No entanto, em 2014, uma reviravolta tirou novamente a paz de quem já estava, aos poucos, tentando reconstruir a vida.
A defesa de Everson entrou com um recurso para que a pena fosse reduzida. O promotor Wellington Veloso explica que o tribunal optou pelo conceito de crime continuado, o que causou muita frustração e revolta.
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Matéria do g1 de 2007 sobre a redução da pena de Everson "Maninho" — Foto: Reprodução
“Foi uma frustração muito grande porque o tribunal aplicou o famigerado conceito de crime continuado, considerando que a morte da última vítima foi uma mera continuação do homicídio da primeira. Como se cada uma daquelas vidas não tivesse sido gerada num ventre independente, como se cada uma não tivesse a sua própria existência”, explica o promotor.
De acordo com o Tribunal de Justiça, a pena diminuiu de 135 para 45 anos, dos quais Everson já cumpriu 14. Para as famílias, surge o medo de reencontrá-lo em algum momento da vida. E, para a promotoria, mesmo a pena inicial já não seria capaz de compensar o sofrimento causado.
“É muito pouco pra toda a dor e toda a tragédia causada às famílias das vítimas. Ainda que ele pegasse os 135 anos inicialmente dados, isso ainda assim não pagaria todo o mal que ele causou. Não há como mensurar isso. Você sente e percebe o desespero daquelas famílias, mas é só quem vivencia isso que sabe o tamanho dessa tragédia”, finaliza.
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"Justiça para ter paz": Maria do Carmo em sua máquina de costura usando a camiseta que fez em homenagem ao filho Elvis — Foto: Júlia Martins/g1
Cinco vidas ceifadas, e um sofrimento que se estendeu para outras dezenas, sejam familiares, amigos ou até conhecidos que se sensibilizaram com tamanha crueldade. Conforme os anos passam, os pais de Elvis, Danielli, Mariane, Jhosely e André tentam encontrar algum tipo de conforto para lidar com a partida tão precoce de seus filhos.
"Temos que confiar que foi Deus que nos deu ela, e que foi Deus que a levou. E, se não fosse por Ele, nós não estaríamos em pé hoje”, diz Milton.
“É difícil para falar, mas ele era muito carinhoso. Não tinha tempo ruim. Ele me ajudava muito quando eu trabalhava com artesanato. Ia comprar retalhos. Ele era um bom pai, era um bom filho. Eu só tenho coisas boas dele, não tenho lembranças ruins do meu filho”, finaliza Maria.