segunda-feira, 12 de abril de 2010

EDITORIAL JORNAL CRUZEIRO DO SUL - Pagou com ingratidão

Notícia publicada na edição de 11/04/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A

Esse tipo de operação empresarial conflita com o conceito de torcida. O esporte perde sua aura e se torna um pouco mais banal cada vez que isso acontece

Por mais convincentes que fossem as razões alegadas pela holding Manoel Leão S/A para tirar a equipe do Votoraty de Votorantim e levá-la para Ribeirão Preto, seria inútil esperar que os torcedores não se sentissem traídos por essa decisão e pela forma como ela foi anunciada, ou que a população votorantinense, de maneira geral, não se sentisse atingida em sua autoestima. O Votoraty não só saiu à francesa, sem maiores explicações, como saiu tecendo loas a sua nova cidade (que é sede da holding) e dirigindo críticas a Votorantim, sem ao menos abrir um parêntese para agradecer o carinho e o estímulo recebido dos torcedores.
Que o futebol, em muitos casos, se tornou um negócio como outro qualquer, em que a torcida infelizmente foi excluída da equação, já não é novidade para ninguém. Nos Estados Unidos, onde os “times que têm dono” são comuns, as equipes mudam de cidade com mais frequência. Um caso famoso é o das equipes de beisebol New York Giants e Brooklyn Dodgers, tradicionais rivais de Nova York que, em 1958, deixaram essa cidade e se transferiram para a Califórnia, mudando seus nomes, respectivamente, para San Francisco Giants e Los Angeles Dodgers, e mantendo a rivalidade.
Mas não é preciso ir longe para encontrar exemplos como esses. Uma onda de perplexidade atingiu os sorocabanos quando a equipe de basquete feminino do Leite Moça trocou Sorocaba por Jundiaí em 1996, depois de acostumar a torcida com suas belíssimas campanhas. Esse tipo de operação empresarial, em busca de vantagens que nunca ficam totalmente claras para o público externo, conflita com o conceito de torcida, que é tipicamente regionalizado e supõe um envolvimento afetivo e emocional construído ao longo do tempo. O esporte perde sua aura e se torna um pouco mais banal cada vez que isso acontece.
E não é só o esporte que sai arranhado do episódio. Pelo que se pode depreender das opiniões dos leitores, postadas no portal www.cruzeirodosul.inf.br sob a reportagem “Adeus Votorantim - Votoraty muda de cidade e vira Ribeirão Futebol Clube” (9/4), também a imagem da Prefeitura foi prejudicada.
Alguns leitores entendem que o poder público deixou de fazer sua parte - alegação que o prefeito Carlos Augusto Pivetta (PT) recusa -, e também deve ser responsabilizado. Outros, entretanto, como Adilson Carlos Prestes, afirmam que não é papel do poder público financiar empresas privadas. “Estes 'empresários' deveriam ter a coragem de falar a verdade e revelar que a verdadeira intenção desde o início era a da transferência de sede do time de futebol. Responsabilizar uma cidade inteira por falta de apoio financeiro é um verdadeiro absurdo”, escreveu o leitor.
A saída do Votoraty, de toda forma, mostra o quanto é relativa a palavra parceria, quando estão em jogo interesses empresariais, e deixa claro que o poder público não pode simplesmente confiar em fios de bigode quando se trata de aplicar o dinheiro público para dar apoio e estrutura a equipes. Diante da volubilidade do capital privado, é recomendável que todo investimento público seja feito com lastro em documentos formais como convênios e contratos, em que se estipulem as obrigações da parte beneficiada, bem como penalidades em caso de rompimento unilateral e injustificado do acordo.
Tomadas essas precauções, mais não se pode esperar que uma consideração cada vez mais rara no mundo dos negócios esportivos pelo público que vai aos estádios e é, ao menos em teoria, a razão de ser de todo espetáculo. Quanto ao Votoraty, não há dúvida de que a população conseguirá assimilar a perda repentina, ainda que isso implique uma certa dose de vingança, como escreveu o leitor Walter Almeida: “Infelizmente nossa cidade e nossos torcedores deram credibilidade a quem não merecia. Agora só nos resta lamentar e torcer contra.”

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