Riqueza sorocabana
Notícia publicada na edição de 30/05/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A
A volta do Circo-teatro Guaraciaba para uma nova temporada de espetáculos é uma das boas notícias propiciadas pela divulgação, na sexta-feira (28), da relação de projetos aprovados pela Comissão de Desenvolvimento Cultural (CDC) de Sorocaba, para financiamento através da Lei de Incentivo à Cultura (Linc).
A CDC aprovou doze dos sessenta projetos apresentados, em áreas como vídeo, literatura, música e teatro. Do valor total de R$ 285.539,43 a serem investidos nesta etapa, R$ 45.876,80 serão destinados à concretização do projeto de Hudinairi da Rocha Machado, filha do ator Hudi Rocha, que permitirá à trupe do Guaraciaba montar novos espetáculos. Esta é a segunda experiência do grupo com a Linc. Em 2006, a Lei de Incentivo patrocinou uma temporada de cinco meses, em que foram apresentadas cinco peças tradicionais desse gênero, sempre com excelente público.
O apoio da Linc é um ótimo investimento. O grupo de atores veteranos residentes em Sorocaba e Votorantim, remanescentes do Circo-teatro Guaraciaba, constitui hoje um dos núcleos de cultura popular ainda ativos mais importantes do Estado e até do país. São pessoas que detêm não apenas a história, mas o conhecimento de um fazer artístico que fascina os jovens atores e pode, ainda, cumprir uma missão muito nobre enquanto instrumento de democratização das artes e difusão cultural, já que 40% dos jovens sorocabanos nunca foram ao teatro.
Esse dado atual, referente a uma cidade moderna e bem equipada, explica por que, durante muitos anos, o circo-teatro foi o único ponto de contato entre a população dos bairros afastados e das cidades pequenas, onde sequer havia salas de cinema, com as artes cênicas e a cultura. Fundado em 1946 e radicado em Sorocaba desde o final de 1960, o Guaraciaba se tornou uma espécie de circo residente, que só deixava os bairros sorocabanos para ir a Votorantim e a cidades próximas. Isso fortaleceu o gosto do público sorocabano por essa forma teatral e criou um vínculo presente ainda hoje entre os artistas e a cidade.
Oficialmente, o Guaraciaba encerrou suas atividades no começo dos anos 1980, impotente diante de problemas como as excessivas exigências legais para funcionamento, a mudança de hábitos do público e a marginalidade miuda que, em alguns bairros, chegou a inviabilizar as apresentações.
Mais recentemente, porém, diversas experiências demonstraram que, se a manutenção do circo-teatro enquanto meio de vida tornou-se difícil e precisa ser reinventada, público é o que não falta para o teatro circense na Sorocaba do Século XXI. A temporada de 2006/2007 teve casa cheia e filas quase todos os dias. Uma experiência anterior, em que os veteranos do Guaraciaba se juntaram a jovens atores do Grupo Manto para montar o clássico do circo-teatro “...E o Céu uniu dois corações”, levou mais de três mil pessoas à tenda da Biblioteca Infantil.
O retorno do circo, novamente pela Linc, é positivo em muitos sentidos, mas sugere a necessidade de se buscar um sustento permanente para essa rica tradição cultural, por meio de políticas públicas abrangentes e perenes. Projetos de Linc vêm e vão, mas, nos longos intervalos entre um e outro, muita coisa pode se perder.
Artistas como Guaraciaba Malhone, Hudi Rocha, Iracema Cavalcante e Ediméa Polidoro, todos da velha-guarda circense, e também muitos jovens formados nessa tradição, poderiam ser o esteio de uma escola de circo-teatro, em que essa arte diferenciada pudesse ser ensinada a jovens atores e crianças, além de integrar uma trupe itinerante encarregada de levar diversão gratuita - no bojo da qual é possível inserir campanhas de saúde e cidadania - para o público dos bairros.
Seria uma maneira de valorizar um perfil cultural muito próprio de Sorocaba, mantendo viva uma arte popular e, tão importante quanto isso, colocando essa rica tradição a serviço da comunidade.
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