Manoel Peres Sobrinho*
Verdadeiro eu chamo aquele que entra nos desertos vazios de deuses (…) nas areias amarelas, queimadas de sol, sedento, ele vê as ilhas cheias de fontes, onde coisas vivas descansam debaixo de árvores. Não obstante, sua sede o convence a tornar-se como um desses habitantes do conforto, pois onde há oásis se encontram os ídolos – Friedrich Nietzsche.
Ter consciência do que esteja à nossa volta é uma arte que precisa ser desenvolvida, buscada, trabalhada com afã de mago e insistência de guru. Como quem desvenda um mistério, um enigma, ao mesmo tempo que incita a ser conhecido, percebe-se no desconhecido que esconde, matreiro, possíveis conhecimentos de sua própria enunciação e natureza. Sentado num banco da praça "Lecy de Campos" pude observar inúmeras situações ao redor. São entidades sociais e culturais, pejadas de simbologia, harmonizadas pelo acaso, distribuidas pela conveniência e mantidas pelo interesse que elas despertam. As enormes letras do alfabeto que posso divisar, compõem a palavra "VOTORANTIM". Tem cada uma 1,25m de altura e, em média 0,50 cm de largura cada. Como um enorme ímã silábico, atrai para si, com pujantes e intensas forças centrípetas toda realidade que a contempla e se debruça, assim como dóceis súditos e súplices devotos. A presença do sagrado se faz sentir com inúmeras entidades justapostas. A Paróquia São João Batista, o precursor do "Agnus Dei", estende toda a sua vista à praça "Padre Luiz Trentini" (1914-1972) que é margeada pela Rua Acácio Miller e Av. São João (o batista ou o evangelista?). Um pouco mais à direita e acima, está o Jardim Paraiso, nada mais sugestivo para compor a tríade! A sua presença é um convite à reflexão dos problemas atuais. Seu engajamento a uma postura político-teológica se faz ver com a sua adesão a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010, divulgada pela CNBB que tem como tema este ano "Economia e Vida". Nada mais sagrada do que a vida; nada mais importante do que a economia. São entes que se cruzam e se realimentam numa harmonia simbiótica. Como extenção de sua própria vista está o início da estrada velha do Lageado, onde ocorre todos os sábados a feira popular de variados gêneros. Numa vontade intensa de manter a vida saudável e a existência menos penosa, tanto vendedores (feirantes), como comparadores (consumidores) se encontram, fazendo valer seus interesses pelo que vendem e aumentar laços de amizade que cultivam. É uma festa para os olhos entre os múltiplos coloridos do que apresentam e as inúmeras formas do que vendem. Uma espécie de carnavalização do profano, do comércio, do orgâncio. Tudo com um sentido ideológico conforme a crença e a inspiração de cada um. A grosso modo, tudo se resume no comércio, mas detidos olhares e perfunctórios desejos, podem mostrar, mesmo que tênues, variegadas nuances de cultos e religiosidades díspares. Cada um carrega no peito e no coração a marca de suas verdadeiras intenções. São corpos que se atraem para um mesmo local de trabalho; porém, trazem na alma cultos diversos com inusitados interesses. A praça "Lecy de Campos", traz um misto de religioso, profano e cultural. O mesmo lugar que se presta a cultos e apresentações de bandas religiosas, é também palco para toda a sorte de atividades culturais. À esquerda, um posto de gasolina da "BR", que nos traz à lembrança, de momento, a guerra no Iraque e, mais recentemente, o desastre ecológico provocado por uma plataforma petrolífera no México. Um pouco além, o rio Sorocaba que por ser uma distinta testamunha da história que por aqui se desenvolveu, transfomrou-se numa espécie de metáfora do tempo e personagem assídua das transformações que por aqui se fizeram acontecer. Num pequeno espaço, a memória do sagrado, do eterno, do "totalmente outro". Também, o trivial, o cotidiano, o efêmero, a faina da vida, a busca intensa do permanecer, como se quisesse desmentir a idéia de que um dia desapareceremos. O encanto dos folguedos, das festas, das canções, como um momento orgíaco e carnavalesco, procurando desconhecer o que reserva o futuro. Um pequeno espaço, como síntese histórica e revolucionária do que a civilização derramou neste pedaço de chão. Das muitas vidas que por aqui passaram, das outras tantas que ainda chegarão. Nomes, histórias, faces com desejos ocultos, acordos silenciosos, motivos insólitos, tênues e fugidias existências, como uma grande teia onde se tece o destino de cada um. Sem que se queira, sem que se deseje, ou mesmo que insista em fazer, todos caminhamos para algum lugar, onde os verdadeiros motivos e as verdadeiras razões serão finalmente reveladas.
(*o autor é membro da Academia Votorantinense de Letras, Artes e História, ocupa a cadeira número 12 e tem como patrono o escritor carioca Afonso Henriques de Lima Barreto).
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