domingo, 6 de junho de 2010

Liberdade de imprensa - "A auto-censura é pior que a censura prévia"


Daniela Jacinto

Notícia publicada na edição de 06/06/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno B


Jurista Hélio Bicudo ministra, na terça-feira em Sorocaba, palestra sobre a liberdade de imprensa no século XXI


Considerado um dos mais respeitados nomes na luta
pelos Direitos Humanos, Bicudo está com 92 anos

Para o jurista Hélio Bicudo, que está com 92 anos, a imprensa sofre censura. Conforme ele, isso acontece das mais variadas formas: por parte dos proprietários dos veículos de comunicação, do governo, dos anunciantes e, talvez a mais cruel de todas, de si mesma, a tal da auto-censura. Para tentar alcançar maior liberdade, vários seminários, palestras, reuniões, pesquisas e estudos têm sido realizados ao longo dos anos. Após muita polêmica, em 2009 aconteceu a revogação da Lei de Imprensa, que regulamentava a liberdade de manifestação do pensamento e da informação. Foi na noite de uma quinta-feira, 30 de abril de 2009, que o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou uma das últimas legislações do tempo da ditadura, em vigor desde 1967 e incompatível com a Constituição de 1988. Seria ingenuidade pensar que agora sim a imprensa conquistou a liberdade plena. Hélio Bicudo, aliás, afirma que ela nunca vai existir. Mas a liberdade pode, sim, ser maior. Para isso teria de ser formado um congresso que fosse realmente representativo da sociedade civil, o que não temos. O pior é que a população não está nem mesmo interessada, afirma. Hélio Bicudo ainda ressalta que deveria ter uma lei que regulamentasse a profissão, mas não a restringisse. Conforme ele, a revogação pura e simples da Lei de Imprensa criou um vazio que não é favorável. Deveria ter uma lei que fizesse a imprensa cumprir suas obrigações de informar de maneira autônoma e não-partidária, defendeu. Presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH), Hélio Bicudo vem a Sorocaba na próxima terça-feira, dia 8 de junho, para ministrar palestra sobre o tema Liberdade de Imprensa no Século XXI, às 19h30, no Salão Vermelho do câmpus Trujillo (av. General Osório, 35), da Uniso. O evento faz parte da agenda do Dia da Liberdade de Imprensa, promovido pela Associação Cultura Votorantim, com o apoio do curso de Mestrado em Cultura e Comunicação da Uniso, Regional Sorocaba do Sindicato dos Jornalistas Profissionais, subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Centro Acadêmico do curso de Jornalismo. Entrada gratuita e aberta a todos os interessados.



A história da censura no Brasil vem de longe. Desde a época em que o país era colônia portuguesa, a atividade da imprensa estava proibida. A permissão veio somente em 13 de maio de 1808, com a chegada da família real. Neste ano surgiu o primeiro jornal no país, A Gazeta do Rio de Janeiro, que sofria censura prévia.

 
No regime militar, a Lei de Imprensa de 1967 e mais especificamente o AI-5 restringiram mais ainda o direito à informação e o de informar. Com a instituição do AI-5, todo e qualquer veículo de comunicação deveria ter a sua pauta previamente aprovada e sujeita à inspeção local por agentes autorizados.

 
Depois da ditadura, a imprensa conquistou liberdade maior, mas ainda continua sob censura. Entre os mais diversos casos, está o que aconteceu recentemente com o jornal O Estado de S.Paulo que foi proibido judicialmente de publicar matérias sobre uma operação da Polícia Federal envolvendo o filho do presidente do Senado, José Sarney.

Para discutir os mais variados aspectos que envolvem a censura e a liberdade de imprensa, Hélio Bicudo vem a Sorocaba. Considerado um dos mais respeitados nomes na luta pelos Direitos Humanos, Bicudo foi promotor de Justiça, deputado federal e vice-prefeito de São Paulo. Desde 2003, é presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH). Integra ainda o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP). Vale lembrar que Hélio Bicudo foi membro da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz, que defendia perseguidos pelo regime militar. É conhecida também sua luta, como membro do Ministério Público e como jornalista, contra o Esquadrão da Morte. Em entrevista concedida ao Mais Cruzeiro, falou sobre o tema da palestra que ministrará aqui na cidade. Confira:

 
O senhor vem a Sorocaba para discorrer sobre a liberdade de imprensa. No ano passado, houve um importante acontecimento nesse sentido, quando o STF revogou a Lei de Imprensa, que restringia a liberdade de expressão. Na sua opinião, a imprensa poderá um dia conquistar a tão almejada liberdade plena?
Veja bem, acho em primeiro lugar que a revogação pura e simples criou um vazio que não é favorável. Penso que deveriam ser retirados da Lei de Imprensa os artigos que restringiam a liberdade de expressão, mas o conteúdo geral deveria ser mantido. Como vamos punir os crimes de imprensa agora? Pelo código penal comum mesmo? Penso que foi dado um passo atrás quando se poderia ter dado um passo à frente. Essa questão que a punição à imprensa era mais severa, isso no Brasil é relativo porque aqui resulta quase sempre na impunidade. Uma coisa que acontece é que a imprensa falada, escrita e televisiva depende da propaganda do Estado para sobreviver. Se o Estado ameaça tirar, ele acaba tendo a correspondente obediência do lado da imprensa, que não pode manter jornal, revista, rádio ou TV sem as propagandas que provém dos órgãos públicos, por isso nunca existirá liberdade. No caso da imprensa escrita, quem é que libera a importação de papel? Então não existe essa liberdade de imprensa. Só o fato de você abrir o jornal e encontrar a propaganda dos órgaõs públicos e grandes empresas isso já tolhe a liberdade de criticar. Deveria estar na lei essa liberdade independente do anunciante, por isso que afirmo que deveria ter uma lei que regulamentasse a imprensa, mas não a restringisse, que a fizesse cumprir sua obrigação de informar de maneira autônoma e não-partidária. Penso que o jornal pode ter e deve ter uma linha editorial, mas o noticiário tem de ser independente, se ele receber o mesmo enfoque dos editoriais é porque o repórter está tomando partido e informando mal, é um problema muito complicado esse. A liberdade de imprensa é um elemento fundamental do estado democrático de Direito, mas aqui no Brasil as informações são relativas. Aliás, a população se informa mais pela televisão e rádio do que pela imprensa escrita...

O que o senhor pensa sobre o caso de censura do Estadão, que foi proibido judicialmente de publicar matérias sobre uma operação da Polícia Federal envolvendo o filho do presidente do Senado, José Sarney?

Um absurdo porque é uma maneira de coagir a liberdade de imprensa através do judiciário e isso não tem o menor sentido.

A censura à imprensa não estava apenas na letra da Lei, ela sempre se fez presente no dia a dia das Redações, que são ainda censuradas pelos proprietários dos veículos de comunicação, por seus anunciantes e pelos próprios redatores. Como lidar com isso?

A auto-censura é pior que a censura prévia. Você afasta do jornal, canal de TV ou revista a posição de personalidades que não são favoráveis a este ou aquele ponto. Novamente caímos nos mandos e desmandos da propaganda nos meios de comunicação. Posso citar inúmeros acontecimentos que não saíram nos jornais ou que já sumiram da imprensa, como o caso dos motoboys assassinados por PMs em São Paulo, que não se fala mais, a chacina da Castelinho (ocorrida em 2002), que não tem mais nenhuma linha sobre o que aconteceu para os mandantes dessa chacina, o assassinato de moradores de rua de São Paulo em 2004, que os jornais não noticiaram... Também nenhuma palavra da imprensa sobre o julgamento da lei de anistia no processo da guerrilha do Araguaia... Então não sei, mas se há algum interesse em abafar essas questões, então existe censura. A liberdade de imprensa pode ser maior. Mas para isso teria de ser formado um congresso que seja realmente representativo da sociedade civil, o que não temos. O pior é que a população não está nem mesmo interessada.

Desde o início, a liberdade de imprensa no Brasil de fato nunca aconteceu. Por que?
Porque a colaboração entre Estado, grandes empresas e imprensa continua solta. Deveria haver uma lei resguardando a liberdade de imprensa que não a permitisse ser subjugada ao poder econômico. Mas para mim o Estadão é um exemplo de exercício da liberdade de imprensa mais do que qualquer outro jornal. Ele tem o noticiário que realmente importa, mesmo que a linha do jornal seja para a Direita, você passa por cima dela e vai ver as notícias que são dadas com mais imparcialidade.

 
SERVIÇO - Mais informações sobre a palestra podem ser obtidas na Regional do Sindicato dos Jornalistas, pelo telefone (15) 3342-8678.


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