Fonte Folha de Votorantim
Existem atividades que, quando interrompidas, provocam lamentações, nostalgia, tristeza. Não devem ser estes os sentimentos que virão à tona com a desativação da Cadeia Feminina de Votorantim. Constatar-se esta decisão, esta vontade, o movimento no sentido desta realização, já nos incita a inúmeras reflexões. Trata-se de uma realidade que começa seu processo de transformação, independente do prazo que se leve para que isto se concretize. A Penitenciária Feminina de Votorantim começa a se tornar uma realidade.
Por outro lado, a partir de agora, todos aqueles que compõem nossa cidade têm diante de si um novo desafio, qual seja, o de definir a utilização do prédio da antiga Cadeia Feminina de Votorantim, que está muito bem localizada, em uma região central, de fácil acesso. É um espaço adequado não para ser um cárcere, pois a proximidade com o centro da cidade fez com que nos anos noventa assistíssemos a inúmeras manifestações de perigo, de revolta, por meio de motins e rebeliões. O geógrafo Milton Santos explica que os lugares são determinados pelo uso que se faz deles. É óbvio que a utilização de um prédio afeta não apenas aqueles que ali permanecem, trabalham ou o freqüentam esporadicamente, mas todo o entorno é amplamente afetado, num raio que mal se pode deslumbrar, mas em um processo de efeito borboleta ou cascata – uma ação leva a outra, sucessivamente. É certo que o prédio da Delegacia e da Cadeia tem todas as características necessárias para vir a ser um espaço muito útil à sociedade votorantinense, na medida em que seu uso seja voltado para práticas sociais críticas, cidadãs, transformadoras e educadoras.
Educação e Cultura são temas que integram não apenas a preocupação de educadores, culturólogos, professores e artistas, mas fazem parte do discurso de todos aqueles que buscam o poder, tanto o Municipal (prefeitos e vereadores), quanto o Estadual (Governador) e Federal (Presidente). É pena que boa parte daqueles que buscam este poder se esqueçam da agenda da cultura ao assumirem seus cargos. Aliás, estamos vivendo neste exato momento uma enxurrada de promessas, e estas promessas só se tornam realidade quando cobramos ou quando agimos com os legisladores, com o poder executivo, com as esferas do poder, deixando claras as demandas.
O prédio da Cadeia Feminina é uma grande oportunidade de Votorantim ter de vez sua Escola Livre de Artes. Não estaríamos inventando a roda, muitas cadeias se tornaram espaços culturais, o exemplo mais próximo é o da cidade de Piedade, que abriga sua Casa da Cultura. Para que isto acontecesse lá, não foi fácil. Foi necessária uma mobilização. Paulo de Andrade, artista, promotor cultural, intelectual, designer, depois de ir a Recife e visitar a cadeia em que Graciliano Ramos ficou preso, viu que no lugar funcionava um grande espaço dedicado a divulgar a cultura Pernambucana. Voltou e começou a sonhar com a possibilidade de ver aquele prédio central, em péssimas condições, passar a ser o lugar onde os artistas da cidade poderiam ter seu espaço de manifestações, e foi o que aconteceu anos depois.
Uma Escola Livre de Artes possibilitará que o Estado ou o Município coloque na prática seus discursos de inclusão a uma população que solicita acesso ao conhecimento e às artes. Cabe lembrar que a arte, associada à cultura e à educação, significa, além do avanço intelectual, reflexivo e crítico, um avanço para a qualificação. São modos de capacitar para o trabalho e de aquecer a economia de mercado. Uma cidade que forma para a arte atrai turistas, gera empregos, constrói plenitude, cidadania e felicidade.
Uma Escola Livre de Artes seria a oportunidades para que filhos e pais tomassem contato com teatro, dança, música, literatura, cinema, enfim, uma Escola Livre de Artes seria a possibilidade de Votorantim ter seu tão sonhado conservatório musical. O espaço, portanto, já existe, só falta a união de forças.
Sorocaba recebeu por meio do governador Mario Covas, em 1996, a Oficina Cultural Grande Otelo, um pólo de artes, uma referência. Quem sabe o quanto a arte e a cultura são transformadoras, já passou pelo chamado Fórum Velho. Portanto, se exemplos não faltam, o momento é este, e é possível, sim, termos nossa própria Oficina Cultural, mantida pelo Governo do Estado e apoiada pelo Município.
A Associação Cultural, Educacional e Beneficente “Cultura Votorantim" começa este chamamento a autoridades, políticos e a todos aqueles cidadãos que serão consultados para que se venha a transformar um lugar onde antes permaneciam pessoas que, na sua maioria, foram levadas ao crime por não ter sido oferecida a elas uma oportunidade de educação e a oportunidade de exercitarem a sua sensibilidade. É isto de que precisamos. Provar que crianças e adolescentes que têm uma oportunidade possuem muito mais chances de não precisarem cumprir pena em cadeias ou presídios.
Nossa cidade não se opôs, diferentemente de muitas outras cidades, a receber um Presídio como presente do Governo do Estado. Então a troca será muito mais fácil e justa. Se os governantes nos oferecem um presídio para 768 pessoas cumprirem suas penas, como contrapartida, poderão oferecer ao município a Escola Livre de Artes (Oficina Cultural), na qual poderemos capacitar mais de 1500 jovens todos os anos, nas mais diversas áreas.
A Escola Livre de Artes de Votorantim é a proposta de destinar a Cadeia Feminina de Votorantim, que deve ser desativada dentro de 17 meses, como um pólo de cultura, através de parceria entre Governo do Estado, Prefeitura, empresários, agentes culturais, arte-educadores e a sociedade como um todo, com o propósito de abrigar o desenvolvimento artístico. Assim, podemos vislumbrar um futuro espaço de formação e pesquisa na área teatral, na música, nas artes visuais, nas artes plásticas, bem como em outras linguagens artísticas, por meio das quais os alunos poderão contar com uma educação diferenciada, no sentido de levar o indivíduo a uma reflexão do entendimento do que se chama cultura. E neste esforço, serão definitivamente apagadas das paredes da antiga cadeia as memórias da violência, da desigualdade, da solidão, da marginalidade e da ausência completa de perspectivas. E serão escritas novas narrativas, permeadas de esperança transformadora, de solidariedade por meio das práticas coletivas, de transcendência pela arte. Outras histórias, as quais pressupõem crer novamente em sonhos, ou mais do que isto, restauram a capacidade de sonhar. Outras histórias serão abrigadas na antiga Cadeia Feminina de Votorantim, com a criação da Escola Livre de Artes. E serão muito mais belas para se contar.
http://escolalivredeartesdevotorantim.blogspot.com/
Werinton Kermes
Jornalista / Produtor Cultural

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