Notícia publicada na edição de 14/11/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno B
Matheus Nachtergaele diz que não esperava tanta
repercussão com o seu primeiro longa: A Festa da Menina Morta
Matheus Nachtergaele está em Tiradentes, Minas Gerais, para descansar da maratona de trabalho a que se submeteu nos últimos meses. Acabou de filmar Febre do Rato, do amigo Cláudio de Assis. É a terceira produção que realizam juntos. Fizeram, antes, Amarelo Manga e Baixio das Bestas.
Não por acaso, A Festa da Menina Morta, o longa que marcou sua estreia como diretor, e que encerra no sábado que vem, dia 20, a programação do 7º CineFest Votorantim, tem pontos em comum com a obra do cineasta pernambucano.
Matheus, que estará em Votorantim naquela data para acompanhar a exibição, e conversar com o público, teve um começo para lá de auspicioso no comando de uma produção para a tela grande. A Festa da Menina Morta, que conta no elenco com Daniel de Oliveira, Jackson Antunes, e Dira Paes, foi exibido em Cannes, venceu o Festival de Chicago, conquistou prêmios no de Gramado e do Rio, além de outras mostras das quais participou. Em razão disso, acumula, mais, críticas elogiosas e reconhecimento.
O próprio Matheus não esperava tanto. Contou ao Mais Cruzeiro que, obviamente, fez o trabalho com a alma. Não podia imaginar que uma história focada nas relações humanas, que discute a religiosidade e alguns temas bastante áridos, ambientada na Amazônia, fosse mexer tanto com as pessoas.
Sobre a sintonia com Cláudio de Assis, ele destaca: Somos parceiros. Desenvolvi o argumento de ‘A Festa..., mas o roteiro ficou por conta do Hilton Lacerda, que trabalhou com ele. A Renata Pinheiro, que assina a produção, também.
A ideia do filme nasceu quando Matheus rodava em Cabaceiras, no sertão da Paraíba, O Auto da Compadecida. Lá, soube que uma comunidade se reunia todo ano para celebrar o encontro do vestido que uma menina chamada Josefa usava quando desapareceu.
Aquilo me impressionou: para aquelas pessoas, o fato de a roupa aparecer, grudada num pé de mandacaru, representava um milagre. Desde então, a coisa ganhou a forma de festa religiosa. Descobri um rico filão, uma história que pedia para ser contada.
Matheus já pensava em dar voz às comunidades ribeirinhas da região amazônica num projeto. Daí a ambientar a ação naquele cenário, pensou, era só questão que demandaria alguns ajustes. Demandaria, porque não foi assim tão fácil levar a empreitada adiante.
Para começar, a cidade de Barcelos, onde A Festa da Menina Morta foi rodado, fica simplesmente a 400 quilômetros de Manaus. Não fosse pela distância, o município não dispõe de estrutura de serviços. Depois dali, já não se encontram mais lugares que possuam rede de energia elétrica, contou.
Mesmo assim, em meio a tantos percalços, a produção encampou a proposta. Foi uma experiência fascinante, maravilhosa. Convivemos com uma realidade desconhecida do resto do país, que precisava, urgentemente, vir a público. É como naquela canção do Milton: o grito dessas pessoas, de dentro dos seringais/precisa ser escutado em Beléns e Manais.
O longa narra o cotidiano de uma pequena população ribeirinha do alto Amazonas que há 20 anos comemora a tradicional festa da Menina Morta. O evento celebra o milagre realizado por Santinho (Daniel de Oliveira), que após o suicídio da sua mãe recebe em suas mãos, da boca de um cachorro, os trapos do vestido de uma garota desaparecida.
Matheus diz que a dose de violência no filme não é exagerada. Eu quis trabalhar um realismo que beirasse o fantástico. É uma coisa louca, difícil de compreender a devoção pela figura de alguém tido como santo, justifica.
Impossível não comentar, na entrevista, a passagem mais discutida do filme, a que mostra a cena do incesto gay entre pai e filho. Eu digo que, para mim, esta é a sequência mais poética do filme. Traduz lirismo, amor.
A cena impactou plateias e teria feito com que pessoas saíssem da sala durante a exibição em Cannes. Isso foi plantado por um jornal. Não aconteceu assim, rebateu. Eu estava lá, atento, não ia perder detalhe algum. Foi um casal que deixou o cinema, que tinha capacidade para 600 lugares. E estava lotado! E nem sabemos se foi por causa da cena.
Para Matheus, a discussão é saudável. A arte tem essa função de instigar, de provocar, fazer com que o pública pense. Já ouvi que a cena perturba, encanta. Que é corajosa, mas, também, bonita.
Produzir foi outra etapa que exigiu muito esforço de Matheus Nachtergaele. Mesmo sendo uma pessoa conhecida, consegui levantar, ao todo, R$ 1,2 milhão e um total de R$ 3 milhões que eu esperava e precisava arrecadar. Foi muito difícil.
Assim que terminarem as férias, Matheus volta à cena. Já está confirmado no elenco da novela do horário das seis da tarde da Globo que substituirá Araguaia, a partir de fevereiro. No teatro, estreia, também no ano que vem, o monólogo 45 Minutos, texto de Marcelo Pedreira.
Para o cinema, ele tem esboçados dois empreendimentos: quer adaptar a peça Woyzeck, de Georg Büchner. O texto, marco do teatro expressionista, fala da exploração do trabalho, e do quadro de degradação dos direitos humanos. Os detalhes do segundo roteiro Matheus prefere revelar numa outra oportunidade. Estou trabalhando nisso, mas ainda não tenho nada tão formatado.
Serviço:
A Festa da Menina Morta
Filme dirigido por Matheus Nachtergaele que será exibido no sábado, dia 20
A sessão, seguida de bate-papo com o diretor, acontece no auditório Francisco Beranger, depois de apresenados os filmes que participam da mostra competitiva
A entrada é franca e o espaço fica na Avenida Newton Vieira de Souza s/nº
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