Notícia publicada na edição de 02/04/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 002 do caderno C
Maíra Fernandes
Viajando o mundo com sua maleta azul, Maurício Leite quer
tirar os livros do isolamento e trazê-los às mãos dos pequenos
"A ideia é criar o interesse de leitura e não criar hábito, hábito a gente perde e adquire"
Jornal Cruzeiro do Sul
Era uma vez um homem que queria muito levar literatura para as crianças de uma comunidade carente e retirada de Angola. Elas nunca haviam tido contato com livros. Ele pegou sua mala azul, cheia de livros e brinquedos, mais toda sua vontade e chegou até o vilarejo. Mas esse homem, com toda a sua bagagem e sua vontade, era mais estranho à comunidade do que sua mala azul, cheia de figuras. Era um branco em meio aos isolados negros, que raras vezes tinham tido contato com alguém de fora. As crianças fugiam do homem a cada tentativa de aproximação. Mas ele não desistia. Até que um dia, como se inspirado nas páginas dos contos infantis, começou a depositar balas pelo caminho para atrair os pequenos arredios até seu encontro. Tal qual um encantador de crianças, o promotor de leitura Maurício Leite conseguiu a atenção da comunidade para suas histórias.
Mas essa passagem não é o começo, tampouco o fim da história de Leite, que desde 2005 reside em Portugal e há anos percorre o mundo promovendo a leitura nas comunidades de Língua Portuguesa. Trata-se de um pequeno recorte em meio a muitas histórias do promotor de leitura, que começou levando o mundo das palavras para comunidades rurais e indígenas do norte do Brasil, região de onde saiu.
Nos próximos dias, é na nossa região que Leite lançar balas e histórias. Considerado um dos melhores em sua área e reconhecido internacionalmente pelo seu trabalho, ele fica na região para apresentar um pouco do mundo que carrega em sua mala azul com o projeto "Mala de Leitura/ Exposição Buriti Brasil" (de brinquedos confeccionados com Buriti), em Sorocaba, através do Sesc, e em Votorantim, pela Prefeitura, com apoio do Instituto Conta Brasil.
Pão e livros
Professor, Leite questiona a função da alfabetização no Brasil, que tem dificuldade em formar leitores. Para ele, a leitura na grade curricular já está posta em lugar errado. "Literatura deveria estar em Educação Artística, pois é arte, mas está em Língua Portuguesa e acaba virando matéria", critica, lembrando que para alguns, sua visão parece muito radical.
Leite, que acredita na necessidade de mais bibliotecas de apoio e incentivo, em seus poucos minutos em Sorocaba usou um exemplo local para fundamentar sua crítica. "Pelo o que vi, aqui a biblioteca é longe", alfineta.
Levando literatura a comunidades distantes (muitas em zonas rurais) e que tem dificuldade no acesso a livros, Leite diz que seu trabalho se torna mais fácil quando consegue convencer os pais da importância da leitura. Ele diz que por mais simples que seja a família, quando percebem que o trabalho que desenvolve será positivo para os filhos, os pais acabam tornando-se aliados.
"Meu projeto é formar leitor. A ideia é criar o interesse de leitura e não criar hábito, hábito a gente perde e adquire", sintetiza.
Leite não escreve, diz que não é contador de histórias e também não é livreiro. O que faz é abrir os livros e lê-los para as crianças. Com o trabalho, a ideia é que a criança se interesse pela leitura. A sua função, portanto, é fazer a ponte entre o livro e o futuro leitor. Em suas palavras, é desarrumar a biblioteca, trazendo ao alcance as obras que ora por distanciamento geográfico, ora cultural, parecem isoladas em um Olimpo.
Vale ressaltar que a "ponte", no caso, não tem nada de estática. Pelo contrário: é nas interpretações de Leite, com gestos largos sem beirar o exagero, entonação cadenciada pelo ritmo da trama e uma ânsia de descoberta a cada virar de página que a vida é soprada dentro de cada personagem.
Semeando livros
Em Portugal, onde mora desde 2005, em uma biblioteca pouco utilizada, Leite resolveu mudar um pouco aquele ambiente. Comprou pela internet a imagem de uma grande e frondosa árvore e forrou a parede com aquela fotografia para chamar a atenção das crianças. A ideia era compartilhar do imaginário infantil e criar um local tão aconchegante quanto uma casa na árvore. Mesmo entre quatro paredes, a ideia tem atraído o público para a sombra lúdica do espaço.
Mas para encantar leitores não basta abrir um livro e investir na dramatização. Leite reitera a necessidade de preparar um acervo de acordo com a realidade que irá trabalhar, pois o livro, por melhor que seja, precisa despertar o interesse.
Outra questão é a seleção criteriosa, já que nem todo grande escritor consegue escrever para o público infantil, como uma vez declarou o nobel de Literatura, José Saramago, que também se aventurou por essas veredas.
Mas acervo é o que não falta a Maurício Leite, que não consegue dar conta de ler todos os livros, e conta com auxílio da sua vizinha, uma portuguesinha que lê e separa os livros por ordem de preferência, conforme seu crivo.
Leite não compra livros, ganha dos próprios escritores e editoras. E dessa forma, acabou ficando amigo de muitos escritores famosos, como Marina Colasanti, que até escreveu em sua espaço no jornal um artigo em referência ao trabalho dele. "Recebi um e-mail de um amigo. Mais que amigo, irmão nessa batalha nossa pela leitura. E muito mais batalhador que eu, que fico diante do computador, enquanto ele vai à linha de frente...", escreve a autora e amiga em 2006, no Jornal do Brasil, lembrando que enquanto os escritores escrevem, cabe aos promotores como Leite, levar a literatura deles aos mais impensados lugares. "Essa gente que escreve para criança tem perfil generoso, então eu os admiro", conclui o leitor-viajante, que traz em sua mala, além de livros de diferentes formatos e os brinquedos de Buriti, uma foto da família. "Para lembrar de voltar", explica.
Se você quiser ser contaminado pela paixão de Maurício Leite, vale a pena participar de alguma das atividades promovidas por ele em Sorocaba e Votorantim. Confira nesta página a agenda.
Confira a agenda de Leite na região
Hoje, a partir das 15h, Maurício Leite participa da "Hora do Conto". Na quarta-feira, a programação é às 10h e às 16h. Nos dois dias o evento será realizado na Biblioteca Infantil, que fica na rua da Penha, 673.
No próximo sábado, dia 9, a edição da "Hora do Conto" será às 15h na Igreja Santuário Novo de Aparecidinha (Estrada Dom José Melhado Campos, 20).
Votorantim
Em Votorantim, as apresentações começam na segunda-feira, com oficina para os professores às 19h no auditório municipal "Francisco Beranger".
Na terça-feira, a partir das 14h30, ele apresenta literatura infanto-juvenil & mídia na Biblioteca de Votorantim e às 19h realiza oficina no auditório municipal.
Na quarta-feira, a oficina para professores no auditório municipal será às 19h.
Quinta-feira, a partir das 14h30, Maurício Leite apresenta o projeto "Mala de Leitura/ Brinquedos populares de Buriti" no auditório municipal e às 19h realiza uma oficina para professores no mesmo local.
Na sexta-feira, a partir das 14h30, acontece o Ponto de Tecer Poesia na biblioteca e às 19h ocorre uma última edição da oficina no auditório municipal.
Os eventos são aberto ao público e mais informações podem ser obtidas na Secretaria Municipal de Cultura de Votorantim pelo telefone (15) 3243-1141.
O auditório municipal "Francisco Beranger" fica na avenida Newton Soares, s/nº. A Biblioteca Municipal fica na avenida 31 de março.
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