Felipe Shikama
Foi reconhecendo a importância de se preservar o maior manancial de água doce da região de Sorocaba - a represa de Itupararanga -, cujo entorno é abundante em diversidade de fauna e flora, que ambientalistas, acadêmicos e representantes da sociedade civil organizada iniciaram, em 1995, uma grande mobilização com um objetivo em comum: transformá-la em uma Área de Proteção Ambiental (APA).
Em uma área total de 93.356,75 hectares, a APA de Itupararanga se estende entre os municípios de Votorantim, São Roque, Mairinque, Piedade, Alumínio, Vargem Grande Paulista, Cotia e Ibiúna.
Após três anos da incansável luta, apoiada por membros do Comitê de Bacias Hidrográficas dos rios Sorocaba e Médio Tietê, o decreto do governo estadual foi finalmente publicado em janeiro de 1998. “No entanto, a efetividade [da proteção ambiental] só vai começar agora, com a criação do Plano de Manejo do Solo da APA”, comenta a professora Iara Bernardi, mestra em Biologia da Conservação e Biodiversidade pela UFSCar Sorocaba, cuja dissertação, recentemente aprovada, se debruçou sobre um profundo estudo daquela área de preservação.
Aprovado em 2010 pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), o Plano de Manejo do Solo da APA é o mecanismo que, de certa forma, estabelece o que pode ou não pode ser feito na Área de Proteção Ambiental. Das mais de trinta APAs do estado de São Paulo (33 APAs estaduais e três federais), a de Itupararanga é a primeira a ter um Plano de Manejo, isto é, uso, do seu solo.
O ambientalista Gabriel Bitencourt considera a aprovação do Plano de Manejo um avanço importante para a redução de danos ambientais à represa e à área verde do entorno do manancial. “Falar da importância de se preservar aquela área é ‘chover no molhado’, é uma coisa óbvia para todo mundo. Agora, o plano de manejo é um avanço muito importante porque foi amplamente debatido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Ongs e prefeituras. Ele é, em tese, o reflexo do que a sociedade espera que possa ser feito ou não naquela região para garantir a preservação [de fauna, flora e recursos hídricos]”, comenta.
DESMATAMENTO
Sob orientação do professor doutor da UFSCar André Cordeiro, a dissertação da professora e ex-deputada federal Iara Bernardi revela um dado preocupante: num curto espaço de tempo, entre 2002 e 2010, a cobertura de vegetação nativa da área demarcada da APA sofreu diminuição de 18,21%. “Houve uma redução de 17 mil hectares. Sendo 16.585 na área rural e 415 na área urbana”.
O levantamento feito pela pesquisadora revela outro dado adverso para o meio ambiente, cujas consequências negativas são diretamente sofridas pelo homem: dos oito municípios que estão inseridos na Área de Proteção Ambiental de Itupararanga, cinco não realizam, até hoje, qualquer tipo de tratamento antes de despejar o esgoto nas águas nos afluentes da represa. “O que obviamente polui e compromete a qualidade da água que é consumida por 80% da população de Sorocaba”, alerta.
O percentual de esgoto tratado nas cidades de Alumínio, Cotia, São Roque e Vargem Grande, segundo Iara, é zero. Já os municípios de Piedade e Ibiúna tratam cerca de 20% do esgoto, mas apenas nas áreas urbanas. “Votorantim trata, hoje, 60% do esgoto que produz, mas o que é despejado vai para o rio Sorocaba”, explica a bióloga.
Ressaltando que a bacia de Itupararanga abastece cerca de 700 mil pessoas e 80% dos domicílios sorocabanos, Iara destaca que devido ao crescimento de empreendimentos imobiliários daquela região e, principalmente, do desmatamento de mata nativa para abertura de espaço para a produção agrícola, a qualidade de água que abastece mais de 700 mil pessoas vem caindo ano a ano. “A comparação entre as duas amostras, uma de 2002 e outra de 2010, apresentou piora na qualidade da água do reservatório [da represa]. Antes era considerada ótima, agora é considerada boa e até, em alguns momentos, razoável”, constata.
Entre outros indicadores usados na pesquisa comparativa, a professora avaliou a quantidade de matéria orgânica dissolvida, transparência e oxigênio.
O aumento da população nas cidades do entorno da represa, segundo Iara, também contribuiu para a queda da qualidade da água. Segundo a pesquisa, entre 2002 e 2010, os oito municípios tiveram aumento médio de sua população em 29%. “Então, além de aumentar o consumo da água, houve aumento do número de dejetos”, explica.
Diretor-geral do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (Saae), Geraldo Caiuby admite que a qualidade da água “in natura” oriunda do reservatório de Itupararanga vem perdendo qualidade nos últimos anos. Segundo ele, a ineficiência dos dispositivos para o uso do solo da APA poderá, no futuro, comprometer tanto a qualidade quanto o abastecimento da água na cidade. “Claro que pode comprometer. E se não tem uma faixa de vegetação que proteja [o manancial], todo tipo de defensivo agrícola [agrotóxico] vai parar dentro da represa e pode contaminar a água”, afirma.
AÇÕES CONJUNTAS
Caiuby demonstra preocupação com o risco de grande parte de Sorocaba ter a água comprometida no futuro, já que além da água captada no reservatório de Itupararanga, o município conta com pequeno manancial interno, composto pelas bacias de Pirajibu-Mirim, Ipanema e Ipaneminha. “Mas não adianta apenas Sorocaba fazer a sua parte e os outros municípios não. É preciso uma ação conjunta, de forma planejada e correta”.
Bitencourt concorda com Caiuby. Para ele, a questão ambiental deve ser encarada de maneira coletiva, com a participação de todos os municípios da região da APA. “No início dos anos 2000, quando eu fui vereador, dei início ao chamado Parlamento Regional, que tinha como objetivo discutir e encontrar soluções conjuntamente. À época, um jornalista de uma cidade da região me criticou, disse que aquilo era ‘ideia de jerico’ e ironizou, perguntando se não tinha problemas na minha cidade. Os problemas, como se pode ver hoje, são de todo mundo e as soluções também devem ser assumidas por todos”.
Já a secretária municipal de Meio Ambiente, Jussara de Lima Carvalho, avalia que Sorocaba, apesar de não pertencer à demarcação da APA, deve assumir papel fundamental para a articulação de ações que visem proteger a APA de Itupararanga. “É justamente pelo fato de Sorocaba depender essencialmente dos recursos hídricos do manancial das cidades próximas que o Conselho Gestor da APA de Itupararanga, em acordo com o Consema, aceitou a representação de Sorocaba em seu colegiado”, comenta.
PLANOS DIRETORES
A dissertação defendida por Iara considera ainda que, apesar de terem sido elaborados em sua maioria em 2006, isto é, posteriormente ao decreto estadual de APA de Itupararanga (de 1998), os planos diretores municipais - lei que disciplina o uso do solo - de Votorantim, Piedade e Vargem Grande Paulista ignoraram a existência de área de preservação. “Fizeram os planos diretores de forma capenga, apenas para cumprir o prazo [imposto pelo Ministério das Cidades]. Alguns municípios nem citaram a APA”, comenta.
Além de aumento da fiscalização, Bitencourt espera que as revisões dos planos diretores dos municípios que integram a APA de Itupararanga, previstas para acontecer nos próximos anos, contemple medidas mais rígidas para que possa reduzir ou impedir o desmatamento da vegetação natural, bem como a construção de empreendimentos e o avanço da atividade agrícola nas proximidades do manancial. “O Plano Diretor tem de se submeter ao Plano de Manejo da APA. O Plano Diretor [municipal] só pode ser diferente [do Plano de Manejo do Solo] se for ainda mais restritivo do que a lei acima [estadual]”, afirma.
Para Jussara, cabe aos tomadores de decisão das cidades da região assumir a responsabilidade para a preservação efetiva da APA. “O uso do solo depende do município, então é importante que os prefeitos e os vereadores levem esse assunto até as Câmaras Municipais e mais do que isso, que conversem com a população, de forma simples, para ouvir das comunidades o que pode e o que não pode ser feito para que aquela área seja realmente protegida”, sugere.
CRESCIMENTO X PRESERVAÇÃO
Iara Bernardi conta que o trabalho de mestrado incluiu entrevistas com os prefeitos e vereadores das oito cidades na época. “Alguns deles chegaram a dizer que a preservação de Itupararanga engessava o desenvolvimento”, revela. Tal discurso “desenvolvimentista”, porém, não é exclusividade dos moradores da região. O mesmo argumento é frequentemente utilizado para justificar a realização de obras de enorme impacto ambiental (fauna e flora) e social (populações indígenas e ribeirinhas) pelo Brasil afora. O caso mais tenso e emblemático do país, apesar de antigo, é a possível construção das barragens da Usina de Belo Monte, na bacia do rio Xingu, no Pará.
Caiuby analisa esse dilema do crescimento populacional e do desenvolvimento econômico, enfrentado por governantes e moradores das cidades pertencentes à APA. “O desenvolvimento é algo que acontece em curto e em médio prazo. Já o dano ambiental aparece em longo prazo. Demora a aparecer, mas a hora que vem, é muito violento e agressivo. E todo mundo perde, pois recuperar os danos contra o meio ambiente, além de levar muito tempo, custa muito caro”, finaliza.
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