sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ação de abandono afetivo movida por filha começou há 12 anos em Sorocaba

Notícia publicada na edição de 04/05/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 8 do caderno A  
José Antonio Rosa 


Condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a pagar indenização de R$ 200 mil à filha, Luciane Nunes de Oliveira Souza, por abandono afetivo, o empresário Antonio Carlos Jamas dos Santos, deverá recorrer da decisão, informou ontem o seu advogado, Antonio Carlos Delgado Lopes. O caso que alcançou tanta repercussão, por conta do ineditismo, começou em Sorocaba, há doze anos. "Vamos encaminhar nos próximos dias os embargos de divergência, até porque a 4ª Câmara do STJ decidiu a mesma questão de modo diverso. Não fosse por isso, o assunto tem desdobramentos de ordem constitucional e será, também, submetido ao Supremo Tribunal Federal (STF)", explicou Delgado.

O processo em que Antonio Carlos e Luciane são partes corre pela 5ª Vara Cível local desde o ano 2000. Sob a justificativa de que ainda cabe recurso da decisão, os advogados (além de Delgado Lopes, atua no feito, pela vencedora, João Lyra Neto) disseram que os clientes não irão se manifestar. João Lyra Neto, conforme sua secretária, estaria em Osasco e afirmou que não poderia se pronunciar. Orientou-a, no entanto a dizer, que ainda não tinha tomado ciência do acórdão.

Concretamente, sabe-se que Luciane teve a paternidade reconhecida judicialmente e que decidiu, aos 26 anos (ela tem hoje 38), pleitear o ressarcimento por danos morais (estimados, inicialmente, em R$ 417 mil) que sofreu na infância e na juventude. Antonio Carlos alegou, em defesa, que só não teve um convívio mais próximo com a filha, porque a mãe desta sempre rejeitou qualquer tentativa de proximidade. Mesmo assim, de acordo com o seu advogado, pagou a pensão a que foi obrigado.

"Na verdade, entendemos que o abandono afetivo, quando ocorre de fato, é punível com a perda do pátrio poder e dos direitos comuns aos pais. Somamos com a corrente que entende que o amor não pode ser mensurado financeiramente. Não é a partir da fixação de valores monetários que se resgata o afeto supostamente negado. O tema é bastante polêmico e deverá, com toda a certeza, suscitar muitas discussões", acrescentou Delgado Lopes.

Em primeira instância, o pedido de Luciane foi considerado improcedente, sob o entendimento de que Antonio Carlos não teve, mesmo, como manter uma relação mais estreita com ela, diante da resistência da mãe. A decisão, no entanto, foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado, que reviu o valor da indenização e o fixou em R$ 200 mil. Um novo recurso, apresentado agora por Antonio Carlos, fez com que o processo chegasse ao STJ.

Lá, depois de doze anos, a ministra Nancy Andrighi, designada relatora, decretou, em seu voto, que "amar é faculdade; cuidar, é dever", reconhecendo, pela primeira vez, o direito de os filhos serem indenizados pelos pais por abandono afetivo, como é chamada a falta de assistência moral ou afetiva. Conforme a ministra, o que se discutiu não foi a falta de amor, mas a obrigação jurídica de cuidar que o pai tem para com a filha.

Entre esses deveres, continua a relatora, estão o de conviver, de dispensar cuidados, de criar e de educar, que dão a exata dimensão daquilo que a criança necessita em termos de acompanhamento, e que se mostra necessário para o seu desenvolvimento sociopsicológico. A decisão do STJ não produz o chamado efeito vinculante (que faz com que os juízes decidam da mesma forma), mas especialistas entendem que a abertura do precedente deverá orientar futuros julgamentos de situações parecidas.


Especialista fala que caso reforça uma tendência

Notícia publicada na edição de 04/05/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul

Além de servir de precedente para futuros casos, a decisão do STJ reforça a tendência de humanização que ganha espaço no Judiciário. Essa é a avaliação do presidente do Instituto dos Advogados de Sorocaba (Iassa), e especialista em Direito de Família, Joel de Araújo. "O tribunal garantiu um avanço no campo dos direitos humanos, e isso é extremamente significativo", destacou. A situação, no entanto, não é exatamente inédita.
"Temos exemplos de reconhecimento do direito à indenização por conta do abandono afetivo no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, e aqui mesmo em São Paulo". Joel de Araújo diz que a figura jurídica que tem sido tão discutida desde a última quarta-feira, consiste no descuido, na desconsideração, no desrespeito e no descaso dos pais em relação aos filhos. "Por ferir a dignidade da pessoa humana, essa prática tão deplorável tem sido condenada e punida com a fixação de indenização".
O especialista lembrou que o mesmo STJ negou, há alguns anos, a Sandra Arantes do Nascimento, filha do ex-jogador Pelé, o direito de ser reconhecida. "Naquela ocasião, a corte sentenciou que "ninguém é obrigado a amar"; agora, diz que "amar é faculdade; cuidar dever". Para Joel de Araújo, o que for decidido em benefício dos direitos humanos tem de ser confirmado. "Até por isso, o afeto ganha, realmente, status de tutela, já que está relacionado à formação psíquica e moral do indivíduo".
Araújo também falou do dinâmico do Direito, lembrando que ele acompanha a evolução dos costumes. "Ainda que existam, no Congresso, ao menos dois projetos que procuram regulamentar a matéria, o STJ demonstrou como resolver conflitos de forma lúcida e acertada". Ele acrescentou que a Constituição assegura à criança e ao adolescente proteção. "Existe todo um conjunto de normas que se aplicam ao caso e que podem servir para fundamentar futuros processos".
O julgamento do Superior Tribunal de Justiça, conclui o especialista, renova as expectativas de que a responsabilidade social dos pais deverá ser considerada por juízes encarregados de analisar ocorrências semelhantes. "Acreditamos que o episódio deverá balizar decisões e comprovar, de vez, que a Justiça não pode mais se orientar pelo que, nos meios jurídicos, se convencionou chamar de letra fria da lei. Há aspectos muito mais importantes que precisam ser considerados." (J.A.R.)

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