Telma Silvério
Para algumas famílias que passaram por provações, a data é ainda mais especial
A data da comemoração pelo nascimento de Jesus, além de ser considerada uma das mais importantes do calendário cristão, é um dia em que muitos também celebram a união e o amor. Para algumas famílias entrevistadas, o Natal deste ano terá significado maior, pois, por meio da força e da coragem, a celebração culmina com várias conquistas e a vida. Há quarenta dias, Miguel (nome de um arcanjo) veio ao mundo com 1 quilo e oitocentos gramas e uma vontade imensa de viver. Junto aos pais e do irmão, o pequenino não imagina o quanto mudou a vida de todos, além de se tornar testemunho da fé da família. Para Irene Cruz Matos, de 49 anos, o Natal será o momento de agradecer pelo teto que abriga seus filhos e marido. E o que dizer de uma jovem surda que se dedica aos estudos para concretizar o sonho de ser professora?
Há exatamente um ano - véspera de Natal -, a família Matos de Farias fechava a porta do barraco em que viviam, no Jardim Novo Mundo, em Votorantim, para passar as festas de final de ano com amigos, em Salto de Pirapora. A ideia de sair de casa não era por acaso: o período chuvoso trazia riscos de alagamento e até desmoronamento. "O barraco ficava numa área verde, perto de um barranco", explica Irene Cruz Matos. Esposa do autônomo Vanderlei Maciel, Irene explica que vivia no local há 14 anos, com o marido e três filhos: Monique Cristina, 14; Marcos Vinicius, 13; e Marlon Henrique, 12. Aos dois cômodos em madeirite foram acrescidos outros dois em alvenaria. "Um dia, à noite, estava assistindo. Só tava eu em casa, quando caiu uma chuva e os tijolos começaram a despencar."
O marido de Irene, o pintor autônomo Vanderlei, lembra bem do dia em que parte do imóvel foi esquecida, e a família teve de se acomodar nos dois cômodos em madeirite. "A gente morou anos em dois cômodos. Nós cinco." Até que no dia 17 de março deste ano, uma forte chuva levou de vez o barraco. "Conseguimos salvar documentos e roupas, mas perdemos móveis", conta Irene. A família tentou retomar a rotina, desta vez numa escola, no Jardim Serrano, para onde foram levados após perderem a casa. Por oito meses, viveram no mesmo espaço em que ficou uma outra família trazida de área de risco. "Foi muito difícil", revela Irene. Ela estava desempregada há mais de um ano, sofria pelas dificuldades financeiras e, ao mesmo tempo, lutava contra o alcoolismo.
Antes de sair do barraco, conta, chegou a ser internada três vezes. "Ainda faço tratamento no Caps (Centro de Atendimento Psicossocial), mas não bebo mais", afirma ela. A força e a coragem da família foi recompensada com as chaves de um apartamento na Vila Garcia, entregues recentemente pela Prefeitura. A mudança no dia 12 de novembro trouxe ânimo e expectativas. Pela primeira vez planejam as festas em casa, com direito a almoço especial e convidados. "Talvez minha irmã, do Paraná, venha", acredita. Vanderlei explica que este ano merece ser comemorado tanto pela casa quanto pelos serviços que ele tem conseguido, e o novo emprego da esposa. Há cerca de um mês, Irene está com a carteira assinada. "Sou agente de higienização num hospital. Ja havia trabalhado nisso. Eu amo o que faço."
Celebrar a vida
Imagine receber o diagnóstico que você tem um tumor no cérebro e, mesmo antes de se recuperar, saber que está grávida. Isso ocorreu com a compradora Bárbara Domingues Stein Amatucci Marques, 33. Casada com o analista de sistemas Alexandre Mendes Marques, 40, com quem tem um filho (Felipe, 7 anos), Bárbara explica que no início sentia fortes dores de cabeça. No final do mês de março, procurou um especialista. "Como trabalho na área de compras, acreditava que fosse estresse pela correria." A tomografia, porém, detectou um tumor de 4 por 5 centímetros que colocava em risco o nervo ótico. "É benigno, mas o médico achou melhor fazer a cirurgia", conta. Os exames que antecediam o procedimento denunciaram a gravidez inesperada.
A compradora conta que, mesmo acreditando que a menstruação atrasada pudesse estar relacionada ao estresse, pretendia fazer exame de gravidez. A gestação estava no terceiro mês. "Primeiro foi a descoberta do tumor e da necessidade da cirurgia, e depois a notícia da bênção", ressalta Bárbara. De certa forma, revela, a gravidez inesperada ajudou e tirar o foco da descoberta do tumor. A decisão de priorizar a gestação foi tomada em conjunto, após trocar de especialista. Até o 36º mês, a gravidez, de certa forma, não era considerada de risco, sendo acompanhada inclusive por uma nutricionista. "No final, começou a preocupar mais. E, no último mês, era consulta e exames direto. O tamanho do bebê não correspondia e o líquido diminuiu bastante."
Alexandre Marques explica que, durante toda a gravidez - bebê nasceu com 37 semanas -, a esposa sofria com as enxaquecas. "Ficava trancada num quarto escuro." Bárbara explica que as dores vinham mesmo tomando medicamentos fortes, prescritos pelo médico. "Às vezes, ficava a tarde toda fechada. Assim não tínhamos nem vida social." Ela disse ter trabalhado até quando conseguiu. "A vida e o nascimento do Miguel é um milagre", define o papai Alexandre. Miguel nasceu às 13h12 do dia 14 de novembro. Pesava 1,840 quilo e tinha 45 centímetros. O bebê permaneceu em observação por dez dias, sem, no entanto, precisar ficar em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal. "Tinha que ir ao berçário para amamentá-lo. Era difícil porque o leite não veio logo, e depois via uma mãe com o bebê grandão no mesmo quarto."
Há cerca de um mês com o bebê em casa, o casal comemora a vida e a saúde do mais novo membro da família. "Deve estar com uns 2,5 quilos", calcula Alexandre. "Eu costumo lembrar a história de Davi, que era o menor dos irmãos e se tornou rei", comenta Bárbara, ao referir-se à história bíblica de Davi, escolhido por Deus para ser o rei de Israel. Ela ainda conta que em janeiro deve passar por nova bateria de exames para a possível cirurgia, mas, no momento, prefere celebrar o nascimento, a vida. "Cada pessoa tem o seu fardo para carregar. Tem problemas, às vezes enfermidades, situação até mais difícil. O segredo é colocar nas mãos de Deus. Assim, não tem como errar. O homem é falho e, às vezes, na correria acaba decidindo por si. É preciso sempre confiar em Deus e colocar tudo em Suas mãos", finaliza.
Jovem supera surdez, aprende a ler, escrever e tocar violão
ACERVO PESSOAL
Nayara pretende comemorar o Natal com a família, tocando em seu violão Noite Feliz
"Nunca se deve consentir em rastejar quando se sente um impulso para voar." A frase da escritora Helen Keller bem traduz o sentimento da Nayara de Oliveira Martin, de 26 anos, que pretende dedicar-se ao ensino de crianças surdas. Há dois anos, quando foi acolhida pela igreja para aprender os primeiros sinais da Língua Brasileira de Sinais (Libras), a jovem surda não sabia escrever, mas escrevia, demonstrando ser "ótima copista", avalia Maria Angela de Oliveira Oliveira, coordenadora dos intérpretes da Pastoral dos Surdos da Arquidiocese de Sorocaba. "Inteligente, determinada e com desejo de cursar a Faculdade de Pedagogia", ela aprendeu a ler, construir frases, entender o significado de cada palavra e, por meio de jogos, conheceu a matemática (adição, subtração, multiplicação e divisão).
Ciente de cada passo e suas descobertas, Nayara revelou um desejo inesperado à sua professora de Libras: "Maria Angela, você pode me ensinar a tocar violão?" Os jovens surdos podem tocar instrumentos musicais, dançar e participar de teatros. Isso é inclusão. "Estou feliz, com a Libras. Nós surdos entendemos a missa. Que bom que tem muitos ouvintes aprendendo Libras na Igreja", destaca a jovem. Incentivada por amigos, Nayara concluiu este ano o Ensino Fundamental e vê cada vez mais próxima a realização de seu sonho. Ela ainda prestou o último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Apesar das dificuldades (intérprete explicou somente como preencher o gabarito) e da "vontade de sair correndo" não desistiu.
O resultado das provas do Enem - aplicadas em dois dias - deve sair em janeiro, e a jovem está na expectativa. "Se não passei foi porque faltou a interpretação de cada questão da prova", avalia. Independente do Enem, ela adianta que pretende concluir o Ensino Médio no próximo ano para, em 2016, ingressar na faculdade de Pedagogia. Atualmente, Nayara trabalha na farmácia do Hospital Modelo, onde é querida por todos. Além do apoio de amigos, a jovem tem em sua família os maiores incentivadores: Ana Rita (mãe), Elói (pai) e Vanessa (irmã). Neste Natal, revela que pretende comemorar o nascimento de Jesus com sua família, tocando em seu violão "Noite Feliz".

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