Manoel Peres
Sobrinho*
Na
África do Sul uma mulher da tribo Masuto protegeu com o corpo sua criança
percebendo a aproximação de um tufão – A. D.
Passados 21 anos da sua morte, ainda,
minha memória olfativa, acusa inequivocamente a presença do seu suave perfume a
exalar em nossa casa. É como um abençoado lembrete, de que alguém muito especial,
existiu nestes tempos, viveu fugazmente entre nós, fez parte de nossas vidas,
transformou-nos consideravelmente e, ainda, faz parte do que fomos, do que
somos, e do que seremos um dia, pois, jamais deixará de nos pertencer. Numa
simbiose perfeita de corpo, mente e espírito, somos o que ela foi e jamais
deixaremos de pertencer-lhe.
Não me canso de olhar para as coisas
que ela gostava, nas quais nutria uma singular atividade, cuidando sempre com
muito carinho e personalidade. O que ela fazia e da maneira que ela fazia, ali
desenhava sua assinatura pessoal, seu toque de maestrina cunhando entre nós um
respeito que ia muito além de uma observação casual ou fortuita. Assim foi a
sua vida, marcando-nos com seus conselhos, moldando-nos com suas atitudes,
sempre com a devida compreensão da grandeza da sua tarefa, que não estava sendo
cumprida como uma modorra faina, mas empenhava-se de todo o coração, para sempre
nos fazer o melhor.
Hoje, com 65 anos, fico pensando o
quanto ela foi incompreendida, esquecida em seu valor pessoal, mas o quanto
exigimos dela mais e mais, quando ela, por si mesma, e com tanto amor e afeto já
havia dado tudo o que podia. Um ser incansável, que qual vela, era consumida
pela própria chama que ardia no seu coração.
Hoje, um pouco mais velho, um pouco cansado,
e mais maduro, fico pensando, se por acaso ela não haveria chorado por suas
frustrações, e nós nunca soubemos; se, por ventura, alguma vez, não se viu
solitária, mesmo no meio de tanta gente, e com tanta coisa por fazer, e quem
sabe, nenhuma mão para ajudá-la. Quem sabe, se, em algum momento, ela não
chegou a pensar até mesmo em desistir, pelo enorme volume de ocupação, mas que
o sentido maior do dever, do amor e da fidelidade aos seus compromissos, não
fizeram com que ela permanecesse. O fato é que nunca o saberemos, mas é bem
possível que o seu amor tenha sido regado com lágrimas e desesperação.
Por mais que eu diga, por mais que eu
me esforce não consigo exaurir todo o sentimento que nutro por esse ser tão
especial que fez parte de minha vida. Que por sua vida, tenho a minha agora.
Poderia contemplá-la em toda a sua
singularidade? Poderia compreendê-la em toda a sua importância? Poderia
agradecê-la por todo o bem que a mim devotou? Talvez o silêncio respeitoso seja
a melhor resposta para estas questões.
Já não posso mais dizer coisa alguma
que ela possa ouvir. Nem, abraçando-a, dizer o quanto eu sinto por não lhe ser
solidário, e nem oferecer ajuda em suas aflições. Não posso mais exprimir minha
afeição ao dirigir-lhe uma palavra de carinho e consideração, por tanto bem que
já me fez.
O tempo passou, inexoravelmente, e consigo,
levou todas as oportunidades que tive, mas que desgraçadamente negligenciei
desrespeitando a solenidade e importância do momento.
Porém, fica em mim, outra grande
certeza, a de que ela mesma, por uma atitude de sua grandeza pessoal, deve ter
unilateralmente me perdoado por tantas falhas em meu relacionamento.
E nessa atitude, há algo de divino,
que acentua ainda mais a sua grandeza e exercício de sua maternidade, pois “o
amor cobre uma multidão pecados”.
(*O Autor é Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie).
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