segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Profissões em extinção sobrevivem na região de Bauru

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Rita de Cássia Cornélio

Salão em Pirajuí já foi visitado por políticos famosos e artistas sertanejos e da MPB

Darcyr Orestes acabou ganhando apelido de Moacir Barbeiro, nome do estabelecimento homônimo que funciona há mais de 60 anos
Por Alex Mita


As profissões de barbeiros, alfaiates, sapateiros tiveram seu auge nos séculos 18 e 19 no Brasil. Nessa época, a população necessitava do terno bem cortado pelo alfaiate e as grandes magazines não existiam. Só se fazia uma barba bem feita com um barbeiro e o corte de cabelo exigia uma pessoa habilitada. Os sapatos precisavam de consertos e duravam mais de uma década. Eram engraxados e lustrados por quem dedicava seu tempo para torná-los novos. Mais recentemente, essas profissões foram ficando em segundo plano com o avanço da tecnologia e da globalização.
As facilidades na aquisição de confecções, dos calçados e com o advento do barbeador elétrico e do descartável quase extinguiram os profissionais da área. Mas nas cidades do Interior, especialmente nas menores, as barbearias, os alfaiates e os sapateiros ainda estão em atividades. Em Pirajuí, um barbeiro trabalha há 61 anos no mesmo local, no Centro da cidade.

Seu estabelecimento já foi visitado por muitas autoridades e artistas nacionais. Ele cortou o cabelo de Zezé di Camargo dentre outros. Fez a barba de Ulysses Guimarães que morava em uma cidade vizinha, quando iniciou sua trajetória política.

Recentemente, as barbearias nas metrópoles reapareceram numa versão vintage. Nova roupagem deram vida aos estabelecimentos montados com cadeiras antigas, mas com um toque de modernidade. O ar condicionado, o café ou um pequeno barzinho deram novo visual e conforto aos novos barbeiros que oferecem massagem e outras ‘cositas’ como diferenciais. As sapatarias e as alfaiatarias passaram pelo mesmo processo de modernização, na forma de express. Serviços rápidos que atendem a população naquilo que elas necessitam, porém sem os famosos bate papos de antigamente.

Os serviços de corte e barbeiro em domicílio também é uma inovação no setor, nas cidades do interior. Idosos com dificuldades de locomoção, acamados e jovens aderem aos serviços sem sair de casa. Em Santa Cruz do Rio Pardo, Carlos Alberto de Campos Camargo, conhecido como Xinão, é um dos profissionais. Atualmente, ele não está oferecendo o serviço, mas promete voltar.

Os barbeiros no passado eram mais do que profissionais de corte de cabelo e barba. Diz a história que eles viajavam pelas províncias oferecendo serviços nada convencionais nos dias de hoje como sangria, benzeduras e venda de raízes. Eram viajantes que contavam histórias, levavam as novidades de uma província para outra.

Barbeiro no mesmo local há 60 anos

O nome de batismo dele é Darcyr Orestes da Silva, 79 anos, mas um apelido o tornou conhecido na cidade. O Moacir Barbeiro é uma marca registrada na área central da cidade de Pirajuí (58 quilômetros de Bauru). Desde 1956 no mesmo local, rua 13 de maio, 532, ele é parte da história viva do município. Registros em periódicos locais comprovam sua participação política e social.

“Foi em 1959 que fiz a barba do então senador Ulysses Guimarães. Ele esteve aqui em Pirajuí e nasceu em Getulina. À época trabalhava em Lins como professor. Veio quando estava entrando na política e manteve contato com o prefeito da época. Ele vinha descendo a rua quando encontrei com ele e falei: professor Ulysses? Ele me cumprimentou e perguntou onde eu trabalhava. Eu respondi, aqui nessa portinha. Ele entrou e falou corta minha barba”, conta

Nos anos 60, um show de Agnaldo Rayol na cidade garantiu ao barbeiro o prazer de barbear o cantor. A tesoura de Moacyr ‘dançou’ sobre a cabeça do cantor Zezé di Camargo. “Eu cortei o cabelo dele em 1997. Ele estava na cidade para um show.”

A barbearia no ponto central da cidade também se tornou um ponto de encontro de amigos e políticos que visitavam a cidade. “Conheci Fernando Henrique Cardoso que veio fazer visita à cidade. Estive com o Lula na década de 80. O empresário Antônio Ermínio de Morais também me visitou. Me tornei conhecido por estar há mais de 60 anos no mesmo local. Em todo esse tempo muitas coisas aconteceram por aqui.”

Na porta da barbearia ele conheceu o presidente Jânio Quadros, Adhemar de Barros, Laudo Natel e Cauby Peixoto. Se fosse hoje, a parede de fotos da barbearia estaria lotada de famosos. “Naquela época não existia esse negócio de foto. Nem se falava foto, era retrato. Para ter um retrato era preciso chamar um retratista que chegava com uma enorme máquina e montava uma parafernália.”

A participação política de Moacir aconteceu quando ele foi vice-presidente do partido de Orestes Quércia, em época que ele não se lembra. “Eu conheci o Orestes Quércia. Eu fazia parte do partido dele, era vice-presidente do diretório local. Junto com presidente do partido participei de várias reuniões. Nessa época, o Quércia vinha muito aqui.”

Como tudo começou

Darcyr Orestes da Silva tinha 12 anos quando tocou pela primeira vez nos instrumentos de trabalho de um barbeiro. “Meu pai mudou para um sítio longe da cidade. Comprou uma navalha, uma máquina e uma tesoura para cortar cabelo e um pente, já que pela distância teríamos problemas para se deslocar até a cidade para cortar o cabelo. Eu tinha mais um irmão. No dia de cortar o cabelo, meu irmão foi primeiro e ele não conseguiu cortar. Eu peguei a tesoura e comecei a cortar.”

A partir de então, Darcyr passou a cortar o cabelo dos familiares e foi o barbeiro ‘oficial’ da família. A fama correu e como as propriedades ao redor também tinham problemas com a locomoção, ele passou a cortar cabelo de outras pessoas. “Fui pegando prática.”

Apelido mudou nome

Já na cidade de Pirajuí, Darcyr da Silva começou a trabalhar na barbearia que posteriormente seria sua. “Comecei como funcionário. O filho do dono trabalhava aqui também, mas começou a fazer outra atividade e não se interessou mais. Foi ele quem colocou o apelido de Moacir. Ele perguntou meu nome e não entendeu e me chamou de Moacir. Pegou mais do que o nome verdadeiro. Na minha chancela aqui eu ponho Moacir. A Câmara Municipal me homenageou em 2015 como Moacir.”

A cadeira usada pelos clientes da barbearia do Moacir ainda é a mesma. “Essa cadeira eu calculo que tenha uns 125 anos. Só eu trabalho nela há 61. Meu antecessor trabalhou nela uns 50. Até troquei, tinha três dessa aqui, quando reformei e atualizei o salão. Coloquei um revestimento de parede, ar condicionado. A cadeira moderna não funcionou e voltei a trabalhar com essa. Tem até partes gastas.”

Com saudade, Moacir lembra que antigamente se falava muito em política dentro do salão. “Ainda falam um pouquinho. Hoje, como sou evangélico, se fala de Deus. No salão de cabeleireiro surge muita conversa, um fala da vida do outro, tem muito fuxico. De uns tempo para cá não aceito mais esse tipo de conversa. Estou aprendendo tocar violino para participar da orquestra da igreja.”

Outra lembrança do barbeiro é que há anos fazer a barba na barbearia é raro. “Antigamente se fazia mais barba do que cabelo. O pessoal trabalhava a semana toda e no sábado vinha a barbearia fazer a barba. Com o advento dos barbeadores elétricos e descartáveis, as pessoas passaram a fazer a barba em suas casas.”

O mais antigo

Barbeiro há 61 anos no mesmo local, Moacir frisa que a profissão ganhou muitos adeptos. “Quando comecei éramos em sete cabeleireiros na cidade. Hoje tem mais de 50. Tem ainda as pessoas que cortam o cabelo dos clientes em suas próprias casa. Aumentou muito. Tenho clientes eventuais e alguns que não cortam o cabelo com outro. Há poucos dias um dos meus mais fiéis clientes, que cortava cabelo comigo há 50 anos, teve um infarto e morreu.”

Barba e cabelo em domicílio foi uma tentativa

Carlos Alberto de Campos Camargo, 49 anos, o Xinão, inovou em Santa Cruz do Rio Pardo (90 quilômetros de Bauru). Profissional da área, ele implantou um serviço de barba e cabelo em domicílio. Munido de cartões, página no Facebook e trabalhando o boca a boca, ele espalhou seu telefone para a população e chegou a fazer até cinco barbas por semana. “Comecei fazendo dos amigos. O diferencial fez com que muitos aderissem aos serviços.”

Formado por uma escola de cabeleireiro de Votorantim de onde se mudou para Santa Cruz do Rio Pardo, ele cortou cabelos e fez barbas de muitos moradores da cidade de sua mulher para sobreviver. “Eu casei e fui para Santa Cruz. Não arrumava serviço e os amigos me incentivaram a implantar um diferencial. De volta a Votorantim, Camargo está trabalhando como barbeiro em um estabelecimento.” Ele gostou tanto do serviço domiciliar que pretende retornar, em breve e voltar a trabalhar dessa maneira. “Eu queria mesmo era montar um salão, mas não tive condições. Quando voltar para Santa Cruz, volto a oferecer os serviços na casa do cliente. Ele liga e eu vou.”

Amigos de longa data

Antônio Luiz Martins tem 75 anos e há 43 vive em Pirajuí. Morava na área central da cidade quando conheceu e começou a frequentar a barbearia do Moacir. Ficaram amigos e até hoje ele corta o cabelo ali. Sem pressa, está aposentado, permanece mais tempo para um bom papo.

Nilton Bitencourt, 66 anos, também está aposentado e mora em Pirajuí desde 69, desde então é amigo de Moacir e frequenta o salão. Os bons bate papos e um sonho afinaram a amizade. Foi pelas mãos dele que o barbeiro conheceu a igreja e a religião que adotaram. Ele também corta o cabelo com o amigo.

Sapataria mais antiga de Pirajuí

Onaldo Franzé é um dos mais antigos sapateiros da cidade de Pirajuí (58 quilômetros de Bauru) e passou a profissão para o filho. Ele foi o precursor dos consertos de sapatos e fabricação de botas. Fez escola. Ensinou muitas pessoas a ser um sapateiro de ‘mão cheia’.

Com dificuldade para falar, Franzé conta que desde criança conviveu com os sapatos e os pés de ferro. “Meu pai era sapateiro e eu segui a carreira dele. Neste local estou há 40 anos. Mas assumi a sapataria assim que meu pai morreu. Eu já trabalhava com ele.”

Ele também foi professor para muitos profissionais da área. “Gente daqui da cidade e gente que aprendeu e foi embora daqui. Em Bebedouro tinha um sapateiro que aprendeu comigo. Teve ‘alunos’ que aprenderam a profissão e desistiram. É preciso dedicação.”

Na opinião dele, a profissão mudou muito nos últimos anos. “Antigamente as pessoas tinham poucos sapatos. Hoje, tem muitos. O material mudou muito. A tinta mudou e há modelos, especialmente os femininos que não oferecem a alternativa de conserto. Tem pessoas que ainda consertam um sapato, mas as facilidades de adquirir outro são imensas.”

O sapateiro Mário Bianchini, 77 anos, foi um aluno de Franzé. “Aprendi com ele a ser sapateiro. Eu trabalhava na roça com ele e fui, por um ano, seu funcionário. Depois fui trabalhar com o João Ricardo. Fiquei com ele durante seis anos. Montei a minha sapataria na sequência, em 1961.”

Seguindo a lição do mestre, Bianchini também ensinou o ofício. “Tenho um funcionário que aprendeu comigo e outro que aprendeu, mas foi trabalhar em outro segmento. Durante um período trabalhamos das 7h às 23h. Hoje, cumprimos o horário comercial. Diminuiu muito a procura. O que mais aparece são trocas de saltinhos, solas e consertos em botas.”
Bianchini explica que além dos consertos fabrica ‘botinões’ para trabalhos pesados.

“Fazemos todas as etapas aqui mesmo na sapataria. Eu sustentei a família trabalhando na sapataria. Minha mulher e os três filhos nunca precisaram trabalhar fora. Nesse segmento pouca coisa mudou quando o foca são as ferramentas. São as mesmas, faca, alicate e pé de ferro. Não se conserta sapatos sem o pé de ferro.”

Ele também compactua da opinião de Franzé. “O material com que são confeccionados os sapatos atuais é outro. Antigamente o couro era muito usado. Hoje é plástico, sintético. Muitos deles não dão conserto. Eu trabalho no conserto de bolsas e botas também.”
O ‘aluno’ de Bianchini, Valdir Beraldo, 52 anos confessa que desde os 12 anos é sapateiro.

“Eu aprendi a profissão e sustentei minha mulher e três filhos. Escolhi essa carreira porque gosto do que faço. Fabrico botas e conserto sapatos. Se tivesse que escolher uma carreira hoje, não seria sapateiro. Escolheria outra profissão.”

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