Felipe Shikama
O espetáculo coloca em cena as marcas pessoais das duas atrizes: Daiana de Moura e Mariana Rossi - EMÍDIO MARQUES
E se a narrativa do chamado "romance proletário" Parque industrial, escrito em 1932 por Patrícia Galvão, a Pagu, ganhasse uma continuação contemporânea? E se a história da sociedade brasileira, marcada por angustiantes capítulos de machismo, racismo e opressão às mulheres trabalhadores, pudesse ser reescrita?
A partir dessas suposições, o grupo de teatro sorocabano Cunhãntã apresenta hoje e amanhã, às 20h, no teatro do Sesc Sorocaba seu novo espetáculo, intitulado Cunhãntã: eu, ela, carne, osso. Os ingressos para ambas as sessões, disponíveis até o fechamento desta edição, custam R$ 17 (inteira) e podem ser adquiridos na central de atendimento da unidade (rua Barão de Piratininga, 555).
Com direção e dramaturgia do cineasta Bruno Lottelli, o espetáculo coloca em cena as marcas pessoais das duas atrizes, Daiana de Moura e Mariana Rossi, que se enredam às de outras figuras femininas potentes, como Corina, personagem central do romance proletário, e a própria Pagu.
Corina, em Parque Industrial, é uma negra, demitida quando fica grávida de um homem casado. Torna-se prostituta e devido a uma doença venérea seu filho nasce sem pele e morre, ela é presa como homicida. Ao revisitar essas histórias na contemporaneidade, Pagu (Mariana) dá voz as Corinas (Daiana de Moura) possíveis de nossa época. "A peça é uma reação, um novo olhar sobre esse romance, que parte de um processo implicado por questões que estamos vivendo agora, como, por exemplo, ser atriz profissional de teatro", detalha Mariana.
A dramaturgia do espetáculo foi construída pelas próprias atrizes-criadoras, ao longo dos ensaios que têm ocorrido desde o início do ano, quando o grupo foi confirmado na programação de março do projeto Coletivações, do Sesc Sorocaba. A cada mês o projeto recebe um grupo de teatro sediado em Sorocaba e região para encenar espetáculo e, por meio de cursos e palestras, compartilhar com o público seus métodos e processos de pesquisa cênica.
Embora o texto tenha sido formato recentemente, a peça traz à tona questões sobre a mulher e o mundo do trabalho levantadas pela dupla de atrizes ao longo de quatro anos de investigação, quando ambas faziam parte do grupo Coletivo Cê e atuaram como atrizes-criadoras da peça Cunhãntã, que denunciava diversas crises e contradições fincadas na história do Bairro da Chave, em Votorantim.
Mariana comenta que o forte interesse das atrizes em aprofundar a investigação acerca do feminismo e do mundo do trabalho, aliado com o fato de morarem em Sorocaba -- assim como Lottelli --, resultou "naturalmente" na criação do grupo Cunhãntã, definido por seus integrantes como uma "plataforma independente de produção teatral". "A gente investiga a própria linguagem teatral em cena, mas não apenas. Na própria estrutura enquanto grupo de trabalho, existe uma busca que ultrapassa a pesquisa das linguagens artísticas e conduz o núcleo a investigar aspectos como a autonomia de seus integrantes e a liberdade do indivíduo perante seu ofício", complementa a atriz.
A atriz Mariana Rossi assinala que, desde que essa plataforma começou a ganhar forma, o grupo vivenciou uma série de experiências artísticas que, nas mais variadas formas, estarão presentes no espetáculo que estreia hoje. Como exemplo, ela cita o projeto "Como o tempo, Como o Amor - Estudos de performance na cidade", realizado em 2015 com apoio da Lei de Incentivo à Cultura de Sorocaba (Linc), que teve uma série de oficinas com pesquisadores convidados
"Teatro-contemporaneidade"
Além da estreia da peça Cunhãntã: eu, ela, carne, osso, durante todo o mês de março, sempre aos sábados, o Coletivações contou com o curso "Cunhãntã - Engrenagens de Amor-Sobrevivência", ministrado pelos integrantes da companhia. O fechamento do projeto ocorre amanhã, às 15h, com o debate "Teatro-contemporaneidade", que terá como convidados o bailarino Douglas Emílio e a encenadora Verônica Veloso. Com mediação das atrizes e do diretor do Cunhãntã, a atividade visa discutir estratégias de criação teatral no mundo contemporâneo. A atividade é gratuita e ocorre Sala de Oficinas do Sesc. Ao todo, são oferecidas 60 vagas para pessoas a partir dos 14 anos. Os ingressos devem ser retirados no local com uma hora de antecedência.

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