quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Performance de dança In-Trópicos, de Thiago Alixandre, aponta incapacidade do Brasil olhar para seu passado



Misturando música barroca, golpes de artes marciais e o gesto de tentar olhar para trás, o artista Thiago Alixandre, do Coletivo O¹², tenta através da dança e do  canto revelar traços específicos do corpo no Brasil   

In-Trópicos  é o trabalho mais recente do cantor e bailarino Thiago Alixandre, integrante do Coletivo O¹² e cofundador do Parque da Autonomia, sediado em Votorantim. Apoiado na hipótese de que há um traço para se pensar o corpo brasileiro, o artista sobe ao placo dia 2 de novembro, sexta-feira, 20h, no teatro do Sesc Sorocaba. O pianista Cádmo Fausto, regente por décadas do Conservatório de Tatuí e artista convidado pelo bailarino japonês Kazuo Ohno (1906 – 2010) em temporada que fez no Brasil, acompanha Alixandre em cena executando duas árias barrocas (de Handel e Bach). A atração faz parte da Mostra Corpografias, composta por artistas e grupos de várias regiões do Brasil e da Europa. Thiago Alixandre é o único artista local que integra a programação.
Para refletir sobre a história do corpo brasileiro, composta por traços fortes de colonização, golpes políticos e um grande desconhecimento do seu próprio passado, nesta obra, Thiago parte de um evento trágico de ordem pessoal - o falecimento de sua irmã. Após uma queda e fratura da cervical, a irmã do artista ficou tetraplégica e impossibilitada de mover a cabeça, de modo que olhar para o lado, para si mesma e para trás configurou uma imagem que, para o artista, se misturou a metáfora criada pelo filósofo italiano Giorgio Agambem, que propõe ser o sujeito contemporâneo aquele que, por ter a cervical fraturada, é incapaz de olhar para trás e ver suas próprias pegadas, suas memórias e, portanto, conferir sua história.
A partir dessa leitura, Thiago compôs uma dança que inclui entre as referências o barroco, o moderno e o contemporâneo – árias de Handel e Bach se misturam a poesias de José Miguel Wisnick e ao frevo de Capiba (1963) e ainda aos movimentos inspirados nos golpes de artes marciais e no canto do castrato. "É impossível definir uma identidade brasileira, porque somos produtos de uma mistura colonial e é isso que está presente no trabalho: traços que se misturam, referências espedaçadas, em destroços que constroem nossa história", diz o artista.
O título do trabalho, In-Trópicos, sintetiza os principais assuntos da criação. A leitura do título produz a sonoridade de "entrópicos" – entropia na física indica um grau de desorganização nos sistemas, um percurso na direção do caos. O prefixo "In", do inglês que significa "dentro", se refere a estarmos dentro dos trópicos, região geográfica em que se encontra o Brasil. "Estarmos abaixo das linhas dos trópicos não é pouca coisa. Isso fez com que fôssemos conhecidos como um paraíso tropical. Devido a esse privilégio geográfico, aqui a incidência de luz e em consequência o calor, produzem frutas mais coloridas, árvores mais robustas, corpos mais nús, entre muitos outros elementos que seduziram o colonizador em sua chegada ao Brasil", diz Thiago. "Vivemos uma entropia política desde a gênese do Brasil, quando as terras foram tomadas de assalto pelos europeus que escravizaram e promoveram o genocídio indígena logo após sua chegada. Aqui talvez não seja exatamente o paraíso dos trópicos, mas sim um paraíso à entropia", exemplifica o artista.
O figurino e cenário não cumprem o papel habitual destes elementos - corpo e palco estão seminus. "A ideia é que o público olhe para a anatomia do teatro e do corpo, para suas arquiteturas. O palco estará sem cortinas e bambolinas. A luz (criada por Roberto Gil Camargo) é difusa e terá o papel de dar contraste e relevo a musculatura do corpo", conta o artista. A escolha serve para que o público não seja capturado por uma ilusão, como o cenário muitas vezes se propõe a fazer. A própria performance não é, segundo Thiago, interpretativa. "Em nenhum momento vou representar cansaço ou esgotamento, essas condições vão acontecer naturalmente no meu corpo pela sucessão de movimentos e cantos do trabalho, nele o esgotamento é matéria coreográfica".
Segundo o artista, In-Trópicos é uma obra construída artisticamente pensando gesto e voz coreograficamente. Além das árias barrocas, Thiago declama versos e canta à capella. A voz do artista, classificada como sopranista é como a de um castrato (termo que corresponde ao cantor cuja extensão vocal corresponde em pleno à das vozes femininas, seja de soprano, mezzo-soprano ou contralto), corresponde a propostas basais da performance, como a de promover o encontro do barroco com o contemporâneo e o moderno. A experiência de Thiago como cantor começou em 2008, quando cantou em coral e fez aulas de canto popular e erudito com Cadmo Fausto.
O artista também ressalta ainda duas importantes referências do universo da dança na composição de In-Trópicos, ambas relacionadas em maior ou menor grau com a questão da morte. Uma delas é Dança Sinfônica, espetáculo de dança do Grupo Corpo, cujo um movimento coreográfico que se repete ao longo da obra é o de golpes para trás com as cervicais dos bailarinos. A segunda contempla os trabalhos performáticos da coreógrafa e bailarina Vera Sala, com quem Thiago compartilha questões muito próximas exploradas em suas danças. "Aprendi a morrer dançando vendo a Vera morrer mil vezes em cena", conta. Recentemente Vera convidou Thiago a participar como cantor de um trabalho seu que está em processo de criação.

Sinopse curta
In-Trópicos é um teorema estético, uma espécie de hipótese artística e um modo de ler o Brasil com movimentos. O trabalho mistura artes marciais, ballet clássico, o canto do castrato, o barroco, o moderno, o contemporâneo, Handel, Capiba, Agambem, Alçeu Valença e Bach numa obra de dança contemporânea composta por um artista brasileiro. O artista trabalha com a hipótese de que, um modo possível de discutir o sujeito nacional, cujo traço principal é sua mestiçagem, seria através das próprias materialidades coloniais que se misturam ao longo da história e se transformam em corpo. É um manifesto autofágico que produz um teorema artístico com dança.

Sobre Thiago Alixandre (bailarino)
Thiago Alixandre é bailarino e cantor profissional, estudante de violão popular e piano erudito, produtor cultural, crítico de dança no Jornal Gazeta de Votorantim desde 2013, presidente do conselho municipal de cultura de Votorantim (2016/2018), professor de teoria e prática da dança, idealizador e coordenador da iniciativa Parque da Autonomia, idealizador e coordenador da Mostra Nacional Dança na Pedreira (2011, 2012, 2014 e 2016), graduado em Filosofia pela UNIMES e mestrando em Comunicação e semiótica pela PUC-SP orientado pela professora e crítica de dança Helena Katz.
Cofundador do grupo de dança contemporânea Coletivo O12 (2008). Foi gestor cultural do Parque Ecológico do Matão de 2008 a 2017 na cidade de Votorantim. Iniciou seus estudos corporais em 1998 com as artes marciais e migrou para a dança em 2003 desenvolvendo seus trabalhos coreográficos desde então. Já participou de dezenas de espetáculos, trabalha como bailarino pesquisador, coreógrafo e diretor de espetáculos de música, dança e teatro.

 

Desenvolve junto ao Coletivo O12 pesquisas de dança ligadas a ciência que foram premiadas por inúmeros prêmios federais e estaduais. Como produtor foi coordenador executivo do 1o Salão Internacional de Design de São Paulo e foi produtor executivo de 20 edições do SPFW na Bienal de São Paulo e Fashion Rio, além de ter produzido a Virada Cultural Paulista nos anos de 2009/2010 e 2011 para o Governo do Estado de São Paulo. Segue dedicado em suas pesquisas na gestão de políticas criativas na economia cultura e na prática de autonomia em sistemas artísticos junto ao Coletivo O12. Integra ainda o CED (centro de estudos em dança da PUC-SP).

Sobre Cádmo Fausto (pianista)
Mestre em Comunicação e Cultura pela Uniso, iniciou atividades musicais aos oito anos ao piano. Teve como professores Fábio Luz, Homero Magalhães e Maria José Carrasqueira. Participou de cursos de aperfeiçoamento com os pianistas Felippe Silvestri, Charles Dobler, Regina Luponni e Magdalena Tagliaferro, por quem foi convidado a continuar os estudos pianísticos em Paris. Premiado em diferentes concursos de piano, estudou no Conservatório de Tatuí, Escola Municipal de Música de São Paulo (na classe de composição de Osvaldo Lacerda) e concluiu bacharelado em piano na Universidade São Judas Tadeu na classe de Maria José Carrasqueira. Como regente coral foi assistente do maestro Samuel Kerr. Fez cursos de regência coral com vários regentes internacionais. Também atuou como coordenador da área de canto e coral do Conservatório de Tatuí e como coordenador do curso de música da Universidade de Sorocaba – Uniso. Foi o pianista escolhido por Kazuo Ohno para acompanhar o bailarino nas 5  apresentações realizadas no SESC Pinheiros. É professor do Coral Infantil do Parque da Autonomia desde 2015.

 

Ficha Técnica

Criação, direção, canto e dança: Thiago Alixandre Piano e direção musical: Cadmo Fausto Preparação vocal erudita: Tathi Mariano Preparação vocal popular: Marcia Mah Iluminação: Roberto Gil Camargo. Provocadora: Ana Teixeira Produção: Preta Ribeiro Operador de som: Gustavo Britto Operador de Luz: Junior Terra

Serviço
Trabalho de dança In-Trópicos
Dia 2 de novembro, sexta-feira, 20h
Sesc Sorocaba. Endereço: Rua Barão de Piratininga, 555, Jardim Faculdade.
Ingressos: R$ 17 (inteira) e R$ 8,50 (meia) e R$ 5 (credencial plena)
Classificação indicativa: 12 anos
Duração: 50 min
Capacidade: 270 lugares

Ensaio Comunicação  

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