quinta-feira, 18 de junho de 2020

SEM AJUDA DE EMBAIXADA, MOÇAMBICANOS ESTÃO RETIDOS NO BRASIL: 'PAGO COMIDA COM MUITA DIFICULDADE'


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Grupo de cerca de 50 pessoas foi informado que precisaria pagar todos os custos do voo de retorno a Moçambique, valor acima de R$ 5 mil por pessoa

Danilo Thomaz

O técnico em administração pública Mia (nome fictício) é um dos cerca de 50 moçambicanos retidos no Brasil Foto: Arquivo pessoal
O técnico em administração pública desembarcou no Brasil no dia 5 de março para um período de férias de 30 dias. Foi comunicado no final de março que não conseguiria regressar ao Moçambique, seu país natal, por meio de Angola, devido às restrições de entrada e saída de estrangeiros nos três países.

Ao descobrir que não conseguiria voltar, alugou uma casa de um cômodo em Várzea Paulista, no interior de São Paulo, pela qual pagava R$ 500 e R$ 100 de água e luz.

Com dificuldades para custear o aluguel, conforme o tempo passava e a situação não se resolvia, conversou com o responsável pelo imóvel que o transferiu para um galpão. O aluguel é pago com trabalho: o moçambicano o tem ajudado a fazer pão em sua padaria. “Tinha dinheiro para o período de 5 de março até 5 de abril. Comecei a me ver em apertos. Não consigo pagar aluguel e com muita dificuldade consigo pagar comida.” Por vezes, um dia de trabalho vale um prato de comida.

Casado e pai de um filho, perdeu o emprego em sua cidade. A sua mulher – que está grávida - vendeu o jogo de sofá para lhe enviar dinheiro para comprar comida. Na semana que passou a mulher teve que vender a TV para pagar as contas. “O único provedor da família era eu.”

No dia 16 de março, um estudante africano recebeu a notícia de que não poderia regressar a Maputo, capital de Moçambique, mesmo tendo sua passagem de avião em mãos. O motivo: a companhia área responsável pelo voo do Brasil para Angola – de onde iria para Moçambique - cancelou os voos. “No dia do meu regresso somente embarcou o pessoal com destino à Angola. Os que tinham outros destinos não puderam embarcar. E foi o último voo a sair daquela companhia.”

Sem alternativa, ele regressou à cidade de Votorantim, no interior de São Paulo, onde estava hospedado na casa de um amigo. E segue por lá desde então.

O estudante procurou a Embaixada de Moçambique para pedir que o governo de Angola negociasse junto à companhia aérea angolana responsável pelos voos. “Seria uma negociação entre governos. Não tive nenhum sucesso nisso.”

Para sobreviver, ele conta com a ajuda de familiares e do amigo que o hospeda. A situação, porém, é delicada, uma vez que o metical, a moeda moçambicana, vale 14 vezes menos do que o real.

Na última semana, a Embaixada de Moçambique enviou um comunicado aos cerca de 50 moçambicanos que estão no Brasil na mesma condição comunicando sobre um voo para Maputo via Joanesburgo (África do Sul) pelo valor de 15 mil rands (a moeda sul-africana), o que equivale a R$ 4.435,00. Há, ainda, o custo de US$ 200,00 (R$ 1.000,00, aproximadamente) para ir de Joanesburgo a Maputo e dos custos de transação para aquisição de passagem: 0,38% de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), IR de 17,647% e uma taxa de vinte dólares.

Os dois entrevistados pela reportagem da ÉPOCA não têm condições de arcar com a passagem. “Eles (a embaixada) disseram que não tem fundos e que não poderiam comprar passagem. Disseram que regressar ao país seria responsabilidade minha”, disse o estudante.

Parte dos moçambicanos que ficaram no Brasil organizaram-se em um grupo de WhatsApp. A maior parte relata que a Embaixada alegou não ter condições de pagar por passagens. O moçambicano em Várzea Paulista espera regressar com o dinheiro arrecadado por uma vaquinha virtual. O estudante no interior de São Paulo não tem sequer essa expectativa.

Procurada, a Embaixada de Moçambique no Brasil não retornou até o fechamento desta reportagem.

CONTEXTO POLÍTICO

Além da falta de apoio governamental, os moçambicanos que estão no Brasil temem também sofrerem represálias do governo de seu país ao denunciarem sua situação. Eles afirmam que as TVs locais informam que os moçambicanos que estão no Brasil têm recebido apoio. O atual presidente, Filipe Nyusi, da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), reeleito em 2019, tem sido acusado de manipular meios de comunicação a favor do governo.

O país ocupa a 120ª posição - de um total de 167 países - no índice de democracia da Economist Intelligence Unit (EIU). Até 2017 o país ocupava a 115ª posição e era considerado um regime híbrido. Em 2018, caiu para a 116ª e passou a ser considerado um regime autoritário. O país vive, ainda, conflitos armados na região central e norte – parte deles atribuídos a uma dissidência do Renamo, o principal partido de oposição de Moçambique, combatente do Frelimo, em uma guerra civil que teve início em 1976 – um ano após a independência - e durou 16 anos.

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